É natural a compreensão de esgotamento de algumas experiências estéticas na literatura. Desde Ana Hatherly no início dos anos 60, com a obra O Mestre, poucos escritores lusófonos foram capazes de debruçar-se sobre si com o alheamento do real para construírem narrativas que nos despertassem o interesse por sua poesia ou por seu experimentalismo.
O pintor Henri Michaux nos disse uma vez que “não é no espelho que devemos observar-nos”, para ele devíamos “nos contemplar no papel”. Ao iniciar a leitura de O peso do pássaro morto (Editora Nós, 2017), somos convidados à contemplação de nossas inquietudes e humanidades. De primeira viagem, Aline Bei nos entrega um livro que reflete sobre o próprio ato narrativo.
De acordo com a física, o peso expressa uma força com que um corpo é atraído para a terra pela ação da gravidade. Palavra derivada do latim pensum, também é aplicada para definir relevância, responsabilidades, fardos… Em O peso do pássaro morto, sentimos o peso de uma narrativa densa que se dissolve na escritura ágil e diligente de sua autora.
Como disse Paul Celan, “o lugar a partir do qual o poeta se orienta e projeta a realidade é a própria linguagem”, e nesse universo de múltiplas linguagens, seus hibridismos e funcionalidades, Aline Bei (re)constrói – sem perceber -, um movimento experimental na prosa poética e na narrativa. Sua personagem é universal, reflete-se em nós e no próprio eu lírico, mas não sem que haja uma decodificação por parte do leitor. Faz-se necessário experimentar aos poucos a obra para que a comunicação se estabeleça, mesmo que o desejo da autora seja o de comunicar a incomunicabilidade e a instabilidade de nossas vidas. É com vagar que caminhamos por entre os anos, ao passo em que a autora vai nos dando elementos de amadurecimento de sua narrativa diante da temporalidade da obra.
O peso do pássaro morto é um livro sobre corpos e suas relações, objetos e palavras apressadas que escapam do consciente da sua personagem. Dessa forma, Aline vai nos apresentando uma poética do corpo-em-ação-e-reação, nos entregando uma infinidade de discursos pertinentes sobre o passar da vida e liberdades de nexos. Devemos ficar atentos aos próximos experimentos de Aline Bei. A maior emoção que existe na obra de Bei é a da descoberta.


Aline Bei (São Paulo, 1987). É formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e em Artes Cênicas pelo Teatro Escola Célia-Helena. É editora e colunista do site cultural OitavaArte. O peso do pássaro morto é o seu primeiro livro.

Publicado por:Philos

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