Resumo
Tendo como fundamento a contrariedade e a hipocrisia no discurso dos espanhóis em sua chegada ao “Novo Mundo”, o continente americano, se apresenta neste trabalho, a análise das cartas de Cristóvão Colón, “Textos e documentos completos (seleção)”, e de Hernán Cortés, “Cartas de Relação (seleção)”, quando chegaram ao continente americano, e o escrito de Guamán Poma, “Primeira nova crônica e bom governo”, escritor de origem indígena, com foco no discurso das escrituras citadas e seus pontos de vista. Se apresenta neste trabalho junto a essas obras citadas anteriormente, trechos do texto “Cartas, crônicas e relações do descobrimento e a conquista”, de Walter Mignolo e passagens de versículos bíblicos, que auxiliaram na fundamentação e na construção deste trabalho. O objetivo do estudo desse tema, “A contrariedade e a hipocrisia no discurso dos colonizadores espanhóis”, é provar, ou tentar provar que eles foram muito contraditórios na escrita de suas cartas, em relação a Colón, e que foram demasiadamente hipócritas em sua abordagem, em relação a carta dos dois, Colón e Cortés, principalmente em um contraste com a bíblia sagrada, mostrando quando e como foram contraditórios e hipócritas. O presente trabalho é uma tradução do artigo “La contrariedad y la hipocresía en el discurso dos colonizadores espanhóis”, elaborado por Raí Ceriaco, em 2018.
Introdução
O argumento defendido neste trabalho é referente a hipocrisia dos espanhóis quando chegaram a América, no século XV, em relação a crença dos indígenas em suas religiões e símbolos ou imagens, que representavam seus deuses, ato considerado idolatria e pecado pelos espanhóis, enquanto os mesmos também adoravam imagens de santos, além do deus cristão.
Para defender o argumento serão analisadas cartas de navegantes espanhóis que chegaram em regiões diferentes do continente americano, assim como serão analisados trechos da obra de um autor origem indígena, como também trechos de artigos e textos críticos utilizados para a criação deste trabalho, além do uso de passagens bíblicos para provar e exemplificar a hipocrisia espanhola em relação às religiões e imagens.
A chegada de Cristóvão Colón e suas impressões contraditórias e hipócritas
Cristóvão Colón, um navegante italiano que tinha a missão de chegar às índias para conseguir especiarias típicas do país e etc., chegou a América depois de um erro de rota durante a viagem, e escreveu uma carta em forma de diário contando sobre ela a corte real espanhola, que era governada pelos Reis Católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, como se pode observar na forma que escreve o navegante separando os acontecimentos por dia, como um diário de navegação, ou diário de bordo, que seria a carta que levaria as informações que conseguiram os que viajaram a América aos Reis Católicos.
Nesse diário, Colón contou como foi a chegada do navio a terra firme, como também contou todas as impressões que tiveram os espanhóis sobre o lugar em que estavam, como a natureza, as pessoas que viviam ali, como se faz em um diário: contando cada acontecimento do dia, como na passagem a seguir que conta sobre os nativos que viviam na região que estava Colón:
Sábado, 13 de outubro.
Logo que amanheceu, vieram a praia muitos destes homens, todos mancebos, como tenho dito, e todos de boa estrutura, gente muito charmosa; os cabelos não são crespos, mas como seda de cavalo, e todos de testa e cabeça muito largas, mais que outra geração que já havia visto. – Diário da primeira viagem (1492), p. 31.
Quando escreve em seu diário sobre o que passaram a eles na América no dia 11 de outubro, Colón conta observações que teve o almirante da navegação sobre os índios, como seu físico, sua possível servidão aos espanhóis, as guerras que aquela tribo, a Guanahaní: “até que chegaram à ilhazinha de lucayos, que se chamava na língua dos índios Guanahaní” (COLÓN, p. 29 e 30), e a observação mais importante do almirante para este trabalho, a religião dos índios:
Quinta-feira, 11 de outubro:
Eu, ele disse, porque não tivessem muita amizade, porque não conheci que era gente que melhor se livraria e converteria a nossa santa fé com amor e não por força, pedi a alguns deles uns chapéus coloridos e uns colares de vidro que usavam no pescoço, e outras muitas coisas de pouco valor, com que viram com muito prazer e ficaram maravilhados. […] Todas são palavras do
Almirante – Diário da Primeira Viagem (1492), p. 30 e 31.
É dizer, aqui já começa um questionamento a religião dos indígenas, mesmo que de uma forma “branda”, pois o relato do almirante começa com o seu querer em converter aos indígenas, e depois de expor isso, ele segue contando os outros aspectos que percebeu sobre os nativos daquela nova terra que haviam chegado. Essa necessidade pode ser percebida por dois aspectos da obra: primeiro porque o diário é escrito por Colón em uma ordem cronológico, ou seja, a questão da religião católica e da conversão dos indígenas ao catolicismo é tão importante para os espanhóis, que é o primeiro assunto que trata o Almirante, seja intencional ou não essa escolha; o segundo aspecto é a incoerência na fala dos espanhóis, pois o almirante começa dizendo que os índios se converteriam ao catolicismo por amor e não por uma troca de favores (chantagem) ou força, mas depois diz que entregava aos índios materiais de pouco valor, e que assim se colocavam a disposição dos espanhóis, ou seja, até para se converterem, se supõe, que eles o faziam não por amor, mas sim por uma troca de favores, pois recebiam coisas dos espanhóis e em troca faziam o que era pedido a eles, ou ordenado.
É importante destacar que esse era o começo da descoberta de um novo mundo. Provável e muito possivelmente a comunicação entre os espanhóis e os indígenas era muito prejudicada, pois não falavam o mesmo idioma, tanto que Colón diz:
Terça e quarta-feira, 16 de outubro.
[…] Não conheço nenhuma seita e acredito que muito rápido se tornariam cristãos, porque eles entendem muito bem – Diário da Primeira Viagem (1492), p. 36 e 37.
Então, percebe-se que essa falta de entendimento dos espanhóis, principalmente de Colón, o fez pensar que os índios não tinham uma seita, ou uma religião, e assim se converteriam ao cristianismo, e mesmo que ele acreditasse que seriam cristãos com muita facilidade, tinha a convicção de que este fato aconteceria, e provavelmente acreditava que seria uma conversão “fácil”, pois, como já exposto, os espanhóis davam muitos objetos que interessava aos índios, mesmo que sem valor, e então, por causa dessa relação amistosa, parecia que tudo o que queriam os espanhóis aconteceria, até o momento que perceberam que não seria assim, pois os índios lutariam por suas crenças assim como lutavam por suas terras com as outras tribos, como também relatou Cortés, em sua carta. Mas, neste trecho do Diário de Colón analisado neste trabalho, não há registros das batalhas dos índios com estes espanhóis, nem por questões religiosas, nem por nenhuma outra questão.
Como Colón, Cortés também veio da Espanha e chegou a América pela região que hoje pertence a Cuba, e depois foi um dos responsáveis pela queda do império Asteca, ou Mexica, na região que está o México, mais especificamente na capital do país, Cidade do México, que era conhecida como Tenochtitlan: “Esta grande cidade Tenochtitlan está fundada nesta lagoa salgada e desde a terra firme até o corpo da cidade por qualquer parte que quisessem entrar nela há duas léguas.” – (Cartas de Relação, p. 233).
Cortés é o que trata da questão idolátrica de uma forma mais clara e com uma ênfase maior na conversão dos indígenas ao cristianismo, diferente de Colón, que escreveu aos Reis Católicos de uma forma mais “calma” nessa questão, ao menos nos trechos analisados no capítulo anterior e neste trabalho.
Existe nesta grande cidade muitas mesquitas ou casas de seus ídolos em formosos edifícios pelas ruas e bairros dela. E nas principais há pessoas religiosas de sua seita que residem continuamente nelas, para os quais os demais das casas onde têm os ídolos há bons aposentos. – Cartas de Relação, p. 237.
Nessa passagem é possível analisar aspectos importantes como a crença dos espanhóis de que os índios tinham ídolos, que na verdade eram os deuses das diversas religiões que tinham os indígenas.
[…] Todas estas torres são torres são covas de senhores, e as capelas são dedicadas cada uma a seu ídolo a quem eles devotam. Há três salas dentro desta grande mesquita onde estão os principais ídolos de maravilhosa grandeza e altura de muitos trabalhos e figuras esculpidas assim na pedra como na madeira. – Cartas de Relação, p. 238
Cortés utiliza o termo “ídolo” pois é um cristão católico, e se supõe que conhecia a bíblia e a palavra do deus cristão, que diz nos seguintes versículos:
1 João 5:21 Filhos, cuidado com os ídolos; 1 Tessalonicenses 1: 9 Porque eles mesmos nos contam, da acolhida que recebemos de você, e de como você se mudou de ídolos para Deus para servir o Deus vivo e verdadeiro, […];
Levítico 26:1 Não fareis ídolos, tampouco colocarão imagens esculpidas, nem colunas (sagradas), nem colocarão na sua terra uma pedra esculpida para se curvar diante dela; porque eu sou o Senhor seu Deus – Bíblia Sagrada
Portanto, é possível inferir que os espanhóis se baseavam nas escrituras da bíblia para justificar a necessidade que viam em converter aos indígenas em católicos, e assim os impuseram o catolicismo, mas, mesmo que o faziam, a contrariedade também seguiu no relato de Cortés, pois ele via a necessidade de converter aos indígenas porque eles adoravam ídolos, considerado um pecado segundo consta na bíblia, ao mesmo tempo que admirava a beleza arquitetônica dos lugares construídos pelos indígenas para seus ídolos, como também admirava a beleza do formato das imagens destes ídolos, ou seja, porque não acreditavam no “senhor vosso Deus” (Bíblia Sagrada) dos espanhóis católicos, os indígenas deveriam se converter, mas o que já era fiel se dava ao luxo de admirar as características que citei das religiões indígenas neste parágrafo, o que caracteriza uma incoerência. É possível admirar as imagens de um deus indígena e seus mesquitas, mas não é possível acreditar neles e os adorar?
E entre essas mesquitas há uma que é a principal que não há linguagem humana que possa explicar a grandeza e particularidades dela, porque é tão grande que dentro do circuito dela, que está todo cercada por um muro muito alto, poderia muito bem ter uma vila de quinhentos vizinhos. – Cartas de Relação, p. 237
Essa “paz” e “amizade” que se vê no escrito de Cortés se pode dar por dois motivos: ou realmente a troca de favores deu aos espanhóis e indígenas uma convivência harmônica, ou Colón não expôs a verdade, porque um europeu não exporia um lado negativo seu ou seu mau-caráter, se auto prejudicando. Mas, no texto de Guamán Poma de Ayala, “Primeira nova crônica e bom governo”, já é possível observar uma visão diferente em relação a esse convívio entre espanhóis e indígenas.
Verdadeiramente a bem considerar somos todos de Deus e de nosso rei Católico e de sua coroa real, que todos os eclesiásticos e séculos e rebeldes desde o mundo contra nossa santa fé católica e cristianismo da santa mãe, a igreja de Roma, do nosso santo pai, o papa, e de nosso rei. Só de pensar nisso, se enganam. De cristão se faz moro e luterano, inimigo de Deus […] E assim é impresso no mundo Deus e infla essas armas reais. – Primeira nova crônica e bom governo, p. 517.
A visão indígena de Guamán Poma de Ayala em contraste com a abordagem espanhola
Guamán Poma mostra em sua obra a imposição que foi feita de uma forma que se pode considerar irônica, como pode-se perceber na passagem anterior neste parágrafo, onde Poma registra o que pensava os espanhóis sobre o catolicismo e a necessidade de obediência ao deus católico.
Em sua obra, Poma divide seu texto em seções onde ele trata sobre os espanhóis ou os comendadores, ou sobre os negros ou os indígenas, sendo que na seção chamada “espanhóis” trata dos espanhóis e a “índios” dos indígenas, e etc…, e nesta última, Guamán Poma comenta sobre essa imposição espanhola/católica, como na passagem abaixo, de uma forma explícita, onde também pode-se perceber um possível descontentamento:
O índio moço forte, mesmo que não tenha chácara nem casa, são obrigados a servir a Deus e a sua Majestade pelas referidas taxas […] Que os índios pastores neste reino tinham trabalho e têm esta lei cristã e obediência, servo de Deus. – Primeira nova crônica e bom governo, p. 833 e 835.
Por que há tanta contrariedade no discurso espanhol? Pode-se dizer que os registros que fizeram Colón e Cortés são incoerentes e logo eles foram hipócritas? Ou será que isso não se confirma, e eles realmente foram coerente? Se sim para a última questão, qual é o valor do registro de Guamán Poma? A bíblia não vale nada e a vontade dos homens está acima do que o seu deus quer em seu livro sagrado?
Walter Mignolo na introdução de seu trabalho, “Cartas, crônicas e relação do descobrimento e a conquista”, escreveu que:
A organização da prosa narrativa do período colonial, nas letras hispanoamericanas, apresenta um problema tipológico que pode dividir-se em duas instâncias: a primeira, que corresponde ao que aqui denominaremos formação textual, que destaca o caráter tipológico >literário< ou >não literário< – O> Jornal de navegação <, relatório de Colombo em sua primeira viagem, é o texto inaugural da família. O significado da palavra inaugural aqui é duplo, pois, por um lado, é o primeiro e, por outro, é o texto que marca um lugar especial no contexto conceitual do verbo, precisamente porque é a escrita que fala de terras até aquele momento, nunca visto; […]. Neste contexto, as letras de Cortés dão conta, sabemos, dos episódios fundamentais na conquista da região, convocados pelo próprio Cortes, Nova Espanha.
Ou seja, pode-se considerar que Colón escreveu seus registros de uma forma literária, para quem os lesse, pudesse observar a beleza do novo lugar descoberto, junto a beleza de seu escrito, sem registros de guerra, mortes, ou seja, acontecimentos que deixariam essa forma literária, termo escolhido por Mignolo, menos “agradável”. Como também ocorre em Cortés, que mesmo que classificava os deuses indígenas como ídolos, e seguindo, destruía o império mexica, registrava a beleza das mesquitas e “casa dos ídolos”, exaltando a arquitetura, por exemplo, escreveram de uma forma literária para que seus reis e leitores lessem algo “mais agradável”.
Mignolo, ao longo de seu trabalho comenta a questão do período das escrituras, ou seja, os autores escreveram seus textos com abordagens diferentes, pois cada um estava em um nível diferente do conhecimento do novo lugar onde estavam:
O >Diário de navegação <, relatório de Colombo em sua primeira viagem, é o texto inaugural da família. O significado da palavra inaugural aqui é duplo, pois, por um lado, é o primeiro e, por outro, é o texto que marca um lugar especial no contexto conceitual do verbo, precisamente porque é a escrita que fala de terras até aquele momento, nunca visto; […] Neste contexto, as letras de Cortés dão conta, sabemos, dos episódios fundamentais na conquista da região, convocados pelo próprio Cortes, Nova Espanha. – Cartas, crónicas y relación del descubrimiento y la conquista, p. 60 y 65.
Inclusive, Walter separa as cartas dos dois autores analisados neste trabalho, Colón e Cortés, em períodos diferentes, como pôde-se perceber na passagem anterior, como também pode-se perceber mais explicitamente na próxima: “Os historiadores da América concebem, na história da época colonial, três períodos: o do descobrimento ([…] as cartas de Colón e Vespúcio), o da conquista (Cortés, Valdívia) […]” (Cartas, crônicas e relação do descobrimento e a conquista, p. 65).
Mas, mesmo que considero que é possível interpretar de uma forma literária os registros reais que fizeram os dois conquistadores, é praticamente impossível negar a incoerência, a contrariedade e a hipocrisia nos textos de Colón e Cortés.
Começando pela religião desses navegantes, a católica. Os católicos acreditam no deus católico, o que criou o universo em seis dias e descansou no sétimo, que fez seu único filho, Jesus Cristo, crucificado para pagar por todos os pecados dos humanos na terra, e que tem seus mandamentos escritos na Bíblia Sagrada, livro mais importante para os cristãos. Nesse trabalho, já expus alguns versículos que tratam da idolatria, ou seja, o que pensa o deus cristão sobre os ídolos.
Êxodo 20: 3-6 > Você não terá outros deuses além de mim. Você não deve fazer para si mesmo um ídolo ou qualquer semelhança do que está nos céus ou sobre a terra ou nas águas debaixo da terra. Você não os adorará ou os servirá; Pois eu, o SENHOR seu Deus, sou Deus ciumento, que pune a iniquidade dos pais sobre os filhos até a terceira e quarta geração dos que me aborrecem, e mostro misericórdia aos milhares que me amam e guardam meus mandamentos – Bíblia Sagrada.
Baseando-me nesse versículo do livro “Êxodo” da bíblia, como Colón tratou de uma maneira muito branda da religião que possuíam os indígenas, principalmente na fala do almirante? Por ser o primeiro registro, Colón deu mais importância à descrição do lugar, tratando de maneira geral dos outros temas, como a religião indígena? Ele fez seus registros de uma forma literária, ou seja, mais agradável? Colón foi hipócrita? Sim para todas as perguntas, mas com uma ênfase maior na questão da hipocrisia, pois, mesmo que ele tratava da descrição do novo lugar conhecido, generalizando muitos temas, sem seu pensamento e no do almirante, ademais de tentar, possivelmente, tratar tudo de uma forma literária, Colón foi contraditório, pois a demasiada paz da convivência dos espanhóis e dos indígenas não acontecia porque todos estavam felizes com as novas “amizades” que fariam e com o clima de festa que Colón nos faz inferir com seus escritos, mas isso acontecia por causa da troca de favores que faziam, pois os indígenas eram gentis e faziam o que os espanhóis queriam, enquanto esses os entregavam objetos, como foi possível ver em muitas passagens expostos anteriormente neste trabalho, e como no próximo:
E pois estas dão assim estas senhas, que não trazem nos braços e nas pernas, e é ouro, porque lhes mostrei alguns pedaços do que tenho, não posso terrar com a ajuda do Nosso Senhor que eu não falhe com ele aonde faz. – Diário da primeira viagem (1492), p. 35.
Além de Colón ser hipócrita, pois ainda que se preocupasse com a questão literária ou de descrição do ambiente, deixava de lado os princípios e mandamentos cristãos, quando fazia seus relatos.
As mesmas quatro perguntas e respectivas respostas do parágrafo de Colón podem ser adaptadas à análise do relato de Cortés, mas, porque os deuses indígenas eram ídolos, porém se podia admirá-los? Talvez, como disse Mignolo, seja a tentativa de tornar mais literária a escritura, tornando-a mais “branda” na hora de ler, e/ou também pode ser a causa da hipocrisia presente no discurso do navegante, porque ao passo que esses deuses são considerados ídolos pelos espanhóis que acreditam no deus cristão, e logo, em seu livro sagrado.
A passagem seguinte, por fim, é a maior prova de toda a hipocrisia espanhola, que criticava a adoração dos indígenas a seus ídolos, imagens, etc., enquanto eles, católicos, fazem devoção a muitas imagens de santos, mesmo que o deus cristão seja o único deus de sua religião.
Santo Antônio, São José, São Paulo, Maria Aparecida e outros santos mais são venerados pelos católicos, assim como Santa Maria, que aparece na passagem seguinte, santa que deu nome a uma ilha onde passou Colón: “E estando no meio golfo destas ilhas, é de saber, daquela Santa Maria e desta grande, a qual ponho o nome de ‘A Fernandina’” (Diário da primeira viagem (1492), p. 35).
Concluindo, pode-se dizer que há características literárias nos registros, como também podese dizer que há regras de temas tratados por uma ordem cronológica do que ocorreu primeiro, mas não se pode negar, e é impossível fazê-lo, pois são muitas as contradições presentes na escritura de Colón, ao mesmo passo que são muitas as suas hipocrisias em seus discursos, principalmente quando é feito um contraste com a bíblia, contrariedade que também se dá no escrito de Guamán Poma, porém em contextos diferentes: os espanhóis queriam sobressair-se com a intenção de obter um bom status frente a seus reis, enquanto Poma, que era indígena, queria ser aceito pelos reis e por todos os que viessem a ler seu escrito.
Raí Luiz Moura Neves Ceríaco (Brasília, Brasil). É graduando do curso de Letras-Espanhol pela Universidade de Brasília (UnB).
Bibliografia
COLÓN, Cristóbal. “Textos e documentos completos” (seleção). Ed. Consuelo Varela. Madrid: Alianza, 1982.
CORTÉS, Hernán. “Cartas de Relação” (seleção). Edição desconhecida. Editora e ano Desconhecidos.
POMA de Ayala, Guamán. “Primeira nova coroa y bom governo”. México: Século XXI, 1988.
MIGNOLO, Walter. “Cartas, crônicas e relações do descobrimento e a conquista”. Edição desconhecida. Editora e ano desconhecidos.
Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, Brasília: Editora Paulinas, 2001.