Sei de gente miúda que, quando colore o papel, lembra as asas do beija-flor desenhando um arco-íris no jardim. Quando brinca, os cãezinhos rolando no pátio gramado. Quando se agita, o canto dos galos da madrugada no quintal da vovó. Quando chora, um bando de gansos rasgando o céu. Quando solta a voz, um exército se preparando para o combate. Quando a suaviza, o piado dos pintinhos em busca de alimento. Quando sorri, o brilho da alvorada silenciosa. Quando dorme, os anjinhos mais comportados que o céu já conheceu.
Sei de gente miúda que brinca grande. Que sonha gigante. Que viaja para dentro dos livros num piscar de olhos. Que vira príncipe ou princesa, Cinderela ou Bela Adormecida sem precisar de condão mágico. Que se comporta como se fosse a Elza ou a Anne do Frozen, o Super Man ou o Homem Aranha. Que vive e respira a Cinderela, a Bela e a Fera, o Lobo Mau e os Três Porquinhos, o Chapeuzinho Vermelho e a Branca de Neve em meio à floresta. Que me deu a conhecer o Pintinho Amarelinho, a Galinha Pintadinha, o Galo Cocoricó, o Patati e Patatá, o Bob Esponja, o Ben 10, a Pepa Pig, o Max Steel e a Patrulha Canina.
Sei de gente miúda que possui imã a atrair qualquer olhar e atenção, sem o menor esforço. Que, eu podendo ou não, me encaixa nas brincadeiras e me devolve cansada, sem energia para mais nada. Que tem fogo percorrendo as veias, com ânimo de explosões repetidas. Que pede e dá carinho inocente, com mãozinhas encardidas. Que fica feliz quando se machuca, pois corre até a casa da vovó e volta com um “colativo” colorido sobre o dodói. Que gosta de assistir à missa somente na igreja que oferece docinhos para os pequeninos comportados, ao final da cerimônia. Que se empenha em amar os animais e salvar os que estão em perigo, ainda que sejam simples insetos. E que, aos gritos, caçam “joaninhas” e se encantam com a beleza de suas asinhas petit-pois.
Sei de gente miúda que, ao se justificar pela morte da borboletinha pisoteada, afirma não ter matado a mamãe borboleta, nem o papai, nem o irmãozinho e nem a irmãzinha. Com voz acanhada, esclarece: Vovó, eu matei a “pima”.
Sei de gente miúda que se diz “colajoso”, mas tem medo da bicada da choca no ninho, do grunhido dos porquinhos no chiqueiro, do bezerrinho guacho que toma o leite na gigantesca mamadeira, da boiada do sítio, a ponto de se esconder no carro por conta disso e, com boquinha de choro e olhinhos arregalados, dizer: “eu quelo molêi pala sempe”.
Sei de gente miúda que prefere guloseimas a um prato de comida, e tomar água com gás ou refrigerante, escondida da mamãe, só pra arrotar um “roto normal”. Que prefere pão com mel a “pão pulo” (pão puro). Junto dela, a gente fica da cor da terra e com cheiro de suor, iogurte, tereré, sorvete, chicletes, pirulito, suco de uva, bolacha e açaí. Assim, as manhãs ficam com jeito de sol brincando com as estrelas, ainda que chova. As tardes, de colônia de férias. As noites, de bailado de vagalumes iluminando a orquestra dos grilos. As madrugadas, de lua cheia espalhando prata sobre a terra e o mar.
Sei de gente miúda, feito abelhinhas graúdas, que se tornam imensas em meu coração e eternas em meu pensamento, sempre que ouço suas vozinhas estridentes a me chamar de “vovojinha”, “vôva”, vovó, vó. São elas a bonequinha Lara, a princesinha Eleonora e o príncipe Octávio, os três encantos da vovó, que se apoderaram de todos os meus sentimentos incondicionais. Como não amá-los?


Lucrecia Welter (Paraná, 1953). Escritora multipremiada e presidente da Academia de Letras de Toledo, Paraná. É Revisora de textos da Revista Philos e Curadora de Literatura lusófona da mesma Revista. Tem diversos livros lançados e publicações em coletâneas poéticas.

Publicado por:Philos

A revista das latinidades

Um comentário sobre ldquo;Abelhinhas elétricas, por Lucrecia Welter

O que você achou dessa leitura?