Corpos lavados no varal
O sangue vos será por sinal nas casas em que estiverdes; quando eu vir o sangue, passarei por vós, e não haverá entre vós praga destruidora, quando eu ferir a terra do Egito. Êxodo 12:13.
Há sangue nesses lençóis
mas os corpos foram lavados
estendidos no varal como lembrança
da esquerda para a direita
a mais jovem era negra
estampava nos seios a culpa
do herege amor que nutria
eram os lábios costurados da segunda
que finalmente calavam a
geração que aprendia a cantar
os versos profanos que escreviam
apenas a minuciosa censura
veria as mutiladas mãos da terceira
carregando em seu pescoço os dedos
mergulhados em água benta
o mais aterrador era aquele vazio
o ventre negro da quarta menina
a falta do útero retirado
que fora mais cedo pregado na cruz
a mensagem era clara:
há sangue nesses lençóis
não há salvação sem sacrifício
mas há de se perguntar:
Quem serão os cordeiros sacrificados?
Esse banho de sangue não as amedrontará
Pois elas mancham com eles seus batentes
Uma vez ao mês.
Vire à esquerda
vire à esquerda, disse o homem com o mapa
mas todos os olhares já estavam nele cravados
nenhum futuro passará pela esquerda
gritou o velho do lado direito da rua.
apesar de não haver nenhuma outra rota
para chegar-se ao banco, o caminho se
tornou inacessível
todas as conversões a esquerda foram
proibidas desde o sábado passado
os canhotos que não aceitaram o curso de
cadestração, perderam o direito ao voto
os mocos da mão direita foram fuzilados
na manhã de domingo, todos os letreiros
situados a margem esquerda foram removidos
para evitar-se os transtornos, toda a população
pobre foi transferida para os subúrbios ao oeste
o caminho seria sempre em frente, sempre a direita
Nesta manhã a ordem de leitura foi alterada
Da direita para a esquerda. Deve-se ler agora
Este poema constitui-se como um ato de rebeldia
A liberdade continuará, sempre, a ser escrita pela esquerda
Jeferson Barbosa Freitas é Engenheiro civil, Mestre em Engenharia Geotécnica – PPG-GECON UFG.