Nascida em Barcelona, a poetisa Gemma Gorga é uma das mais importantes poetas de língua catalã deste novo século. Artista de múltiplas faces, publicou cinco grandes obras poéticas e por elas recebeu prestígio e reconhecimento internacional: o Livro dos minutos [2006] é de longe uma das criações mais entusiasmadas da escritora; que incluem ainda A desordem das mãos [2003] e Instrumentos ópticos [2005]. A poesia de Gemma nos abre espaço para uma câmara, onde a quietude como categoria mostra-se num âmbito diferente. Sem mais delongas, leia Baptisme, publicado em A desordem das mãos, traduzido pela primeira vez ao português:
Baptisme
Poema original em catalão de Gemma Gorga
Cada vespre torno a llegir totes les cartes
que mai no m’has escrit i que guardo en calaixos
transparents perquè els lladres no puguin trobar-les
–¿com veure l’aire en l’aire, la llum en la llum?–.
Existeixen molts passats dins el passat, moltes
memòries que es ramifiquen com petits
capil·lars del temps. També és record tot allò
que no vam arribar a viure, a veure, a dir-nos,
tot allò que se’ns va quedar adherit lleument
al cor, com una pestanya a punt de volar.
Mortes abans de néixer, no per això deixen
de ser ànimes les ànimes. Ni les paraules,
paraules. Només els va faltar l’aigua freda
del baptisme i algú que sabés creure en elles.
Batismo
Tradução ao português por Souza Pereira
A cada noite releio todas as cartas
que não mais tenho escrito e que guardo nas gavetas
transparentes para que os ladrões não possam encontrá-las
–Como você vê o ar no ar, e a luz na luz?–.
Existem muitos passados nos passados
memórias que se ramificam como pequenos
capilares do tempo. Que também lembram-se de tudo
do que não conseguimos viver, para ver, a dizer-nos,
tudo o que permaneceu ligeiramente preso
ao coração, como pestanas a ponto de voar.
Morrem antes de nascer, porque não deixam
de ser almas as almas. Nem as palavras,
palavras. Faltava-me a água fria
do batismo e alguém que pudesse acreditar nele.
Ouça a leitura de Batismo e outros poemas pela autora:
Um comentário sobre ldquo;Dossiê de Literatura Neolatina: Mostra de poesia catalã, por Gemma Gorga”