Elogio aos vermes

Ó praga decompositora!
Agradeço a tua labuta insana,
Quando resta nada senão o cadáver.
A ti, somente a ti cabe devorar-me,
Limpar do mundo a minha memória,
Limpar da Terra a minha pegada
E o chorume em que me transformas,
Que escorre negro e fétido dos meus poros.
Que ele te alimente abundantemente,
Para que ponhas teus ovos fiéis
E teus filhos. Privilegiados,
Que possam eles viver além de mim,
Além de ti, além de nós!
Rói, sem pena, estes ossos,
Que não conheceram o descanso!
Rói o tutano que os preenche,
Abatidos pelo descaso da doença não cuidada!
Agride este cérebro macio que pouco sabe!
Afinal, pouco aprendeu, pouco criou,
Pouco refletiu; mas cozinhou, no último segundo,
Entre sinapses rápidas de uma consciência plena,
Que a vida foi em vão.
Que o golpe foi proposital, e a morte, ideal.
Prolifera-te sob minha pele e engana a todos!
Na hora certa, vaza da minha boca!
Despeja-te sobre a mesa, entre a boa refeição!
Tudo é passado, afinal, não te controles, come!
Devora o jantar, estraga a noite de todos!
Invade-lhes a vida que resta,
E neles, também, cria a morte!
Depois de tudo, sai ao sol!
Sorri com teu projeto de boca!
Expõe teus dentes falsos!
Veste lá tua melhor roupa!
E diz que salvou o mundo!


José Henrique Zamai (Divinolândia, 1991). Advogado e escritor.

Publicado por:Philos

A revista das latinidades

Um comentário sobre ldquo;Dossiê de Literatura Neolatina: Mostra de poesia lusófona, por José Henrique Zamai

O que você achou dessa leitura?