Boca Rosa Academy: Entre o estrelato e a maternidade, Bianca Andrade ainda encontra tempo para empoderar outras mulheres
Para a edição oito com o tema “Amar e mudar as coisas”, a Philos conversou com várias mulheres da indústria do entretenimento que estão usando suas vozes para beneficiar causas nobres. No cânone de Bianca Andrade, temos hoje uma das maiores empresas de cosméticos e beleza do país, a Boca Rosa Beauty, uma participação meteórica no Big Brother Brasil 20 na maior rede de televisão da América Latina e uma combinação estrondosa entre empoderamento e garra. Mas a jovem de 29 anos está igualmente determinada a causar um impacto maior, mesmo que individualmente, na vida de outras mulheres e comunidades. Essa é uma das razões pelas quais Bianca desafiou-se, junto com sua equipe, a lançar a Boca Rosa Academy para alcançar mulheres que empreendem nas favelas.
Fortalecer mulheres periféricas em seus projetos empreendedores é uma pauta que atravessa Bianca Andrade de forma muito íntima. Ela é cria da Maré, no Rio de Janeiro, e sabe as realidades e centralidades periféricas envolvidas e entrelaçadas no cotidiano destas mulheres das periferias. Entre o estrelato e a maternidade, Bianca Andrade ainda encontra tempo para empoderar outras mulheres.
“É muito reflexo da minha história, né? Então eu me vejo nessas mulheres. Desde que eu comecei a empreender eu pensava sobre isso… O que fez a diferença na minha vida pra eu sair de onde eu vim e conseguir mudar minha realidade? E aí quando eu comecei a crescer, a trabalhar, eu pensei: Agora eu preciso devolver o que essas mulheres me entregaram, né? Porque eu não cresci sozinha, né? E tudo começou na Favela do Parque União, com as meninas me assistindo, compartilhando. Então eu sempre tive esse desejo de retribuir. Isso sempre foi legítimo meu, sempre foi muito genuíno da minha parte querer devolver isso. E aí hoje eu estava até brincando que o Miguel que trabalha comigo falou: —Vamos que hoje é aquele dia de fazer algo que você tem vontade de fazer há muito tempo. Então assim, Deu Match no início, né? [Risos]. Foi nosso projeto piloto porque eu não sabia o que fazer, como fazer isso. Porque eu pensava assim: —Bom, o que é que fez a diferença na minha história?”
A programação inclui aulas de capacitação em empreendedorismo, marketing e ações de negócios para mulheres periféricas e conta com uma rede de especialistas e palestrantes. Bianca reflete sobre a importância da educação e da troca de experiências, o que a motivou a desenvolver o Deu Match e, posteriormente, a Boca Rosa Academy.
“Eu parei e pensei: Foi a educação que me trouxe até aqui. Foi quando uma amiga minha empreendedora falou assim: —Ah, estuda sobre isso, estuda sobre aquilo, vai por aqui, vai por ali. E eu falei: —Caramba! Muitas vezes a gente não tem esse insight e foi esse conselho de uma amiga que mudou a minha vida completamente, que me abriu os olhos para o empreendedorismo. E é aquilo, né? Ela plantou a sementinha e depois eu comecei a regar, a cultivar, estudar, me dedicar e aí eu pensei: —Bom, ajudar eu já ajudo, né? Outras instituições… Sempre fiz trabalhos filantrópicos, mas o que é que eu, Bianca, posso doar para essas pessoas? O quê que a gente construiu até hoje, e o que a gente pode devolver, né? Por isso a gente criou esse projeto Boca Rosa Academy, e é muito sobre hoje. Eu fiquei muito emocionada em ver a Preta [Chic] que foi uma aluna nossa, né? Do Deu Match, o quanto esse projeto realmente muda a vida dessas mulheres! Eu estou aqui cumprindo o meu propósito. Sabe quando você está assim..? Leve, grata, feliz?!” [Sorrindo].

Os desafios de transformar o Deu Match numa metodologia também se aplicam aos territórios em que o programa se desenvolveu. Para Rosilene Miliotti, uma das coordenadoras da Boca Rosa Academy, a transição da Maré para Sampa trouxe à tona as diferentes demandas e anseios de cada comunidade.
“Agora que a gente sai da Maré! A gente começou lá e agora a gente vem pra cá, pra São Paulo [estamos em Heliópolis, a maior favela da capital paulista]. Então a gente tá vindo pra São Paulo muito impactado pelo o que tá acontecendo na Maré. A gente continua acompanhando as meninas.”

No Rio, o projeto foi desenvolvido com o Observatório de Favelas, fundado em 2001, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público sediada no Conjunto de Favelas da Maré, dedicada à produção de conhecimento e metodologias visando incidir em políticas públicas sobre as favelas e periferias e promover o direito à cidade. E Rosilene nos conta sobre as dinâmicas do projeto:
“Lá foi no Observatório de Favelas. E eu sou cria de projetos sociais, sou cria do Observatório de Favelas também. Então eu fico muito feliz por isso, porque eu sou da Favela da Maré, assim como a Bianca. Esse impacto social [do projeto como um todo] a gente ainda está medindo, acompanhando dia após dias até, pelo menos, um ano de projeto. A gente está vendo todo dia, sabe? Eu fico acompanhando. E eu faço tudo lá, sobrancelha, unha, tudo lá! É uma passarela de distância da minha casa! Então, a gente vê de perto o impacto social todo dia nelas, na evolução dos negócios. O modo de vestir mudou, o cabelo, o comportamento, é um curso que elas procuram fazer, estudar, elas procuram o tempo inteiro cursos para se atualizar. Então no projeto, a gente dá só um start. A ideia é essa, de dar um start. —E vai! Continua! Então, tudo que a gente pode fazer pra ter um impacto de fato na vida delas a gente tá fazendo. A gente tem, claro, uma metodologia, tem as disciplinas todas, temos convidados pra gente falar sobre os negócios em si. Mas a ideia é que esse seja um projeto onde a gente esteja dando algo além da disciplina, do conteúdo, que seja intenso. Muitas vezes a gente tá ali falando sobre, sei lá, gestão administrativa. Mas uma mulher se sente tão segura ali com a gente, convivendo no dia a dia, que ela vem e pede ajuda porque precisa de um psicólogo, porque o filho é autista, porque tem um problema em casa, sabe? Então além do curso, vem outras demandas que a gente acaba acolhendo. É muito rapidinho, porque são seis encontros, mas é o dia inteiro, ali colados com elas, então é uma intensidade muito grande e a gente tem uma sinergia boa com elas. Na Maré tinha muito porque a gente é de lá. De lá, né? Então tudo é consumido lá, né? Por nós. Então era mesmo muito próximo. Aqui tem uma distância um pouco maior. Então eu não sei como é que vai ser. Estou esperando para ver! Mas vai ser incrível, até porque a gente está tendo um acolhimento, um carinho muito grande da UNAS e de toda a equipe.”
Em Heliópolis, o programa da Boca Rosa Academy aconteceu na sede da UNAS —União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, uma entidade sem fins lucrativos que surgiu em 1978 enquanto comissão de moradores.
“Quando eu cheguei aqui, os meninos, cara… Eles fizeram um trabalho de mobilização local de ir nos lugares com tablet com acesso à internet para ajudar a preencher, a fazer inscrição. Então tem esse cuidado, tá? De explicar o que é uma mulher cisgênera, por exemplo. Elas não sabiam o que era. Então explicar o que é, o que significa cada coisinha ali, ter esse cuidado todo é um carinho, sabe? Com a comunidade, não é com a gente, é com elas mesmo. É com as mulheres daqui. Então, eu acho que o impacto ele já está sendo. Delas virem, delas se arrumarem numa segunda-feira, deixar os afazeres de casa que a gente sabe que é muito difícil. Para quem é mulher, sabe que já tem uma vida… A média de idade aqui é de 32 anos. Então, a mulher de 32 anos numa comunidade como essa, tem uma vida, tem filhos. Tem coisas. Geralmente segunda-feira é o dia de folga de quem é empreendedora. Esse é um dia que elas vão descansar, repor mercadoria ou fazer nada. Não sei! Vão fazer alguma coisa. E elas tiram esse dia pra poder estudar. Então isso pra mim, isso pra gente, no caso, já é muito bom. Já é um ganho, já é um impacto. E depois elas sentem falta dessa segunda-feira. Isso foi o que a gente viu, foi o que aconteceu na Maré e a gente espera que aconteça aqui também”, nos contou Rosilene.

A UNAS acredita na pessoa como sujeito de direitos, fortalecendo sua autonomia para a efetivação da cidadania, procurando quebrar as paredes invisíveis que separam as periferias dos outros bairros da cidade. “Com isso, impactamos cerca de 6 mil pessoas diretamente por mês, por meio de 55 projetos sociais que desenvolvemos”, é o que nos conta Angela de São José Ferreira, Coordenadora de Projetos da UNAS.
Prontas para enfrentar o cenário em evolução, acelerar e melhorar os seus negócios a partir de avanços tecnológicos e mesmo aquisições de dados sobre clientes; as mulheres empreendedoras, sejam de Heliópolis ou da Maré, movimentam a economia local e impressionam ao atingem alturas inimagináveis para criar impactos duradouros em suas vidas e comunidades.

“Trabalho com moda, sou modelo e influenciadora de moda aqui da comunidade. Eu trabalho com moda há mais ou menos uns três anos e a minha primeira formação é designer de moda. E mais recentemente, eu comecei a focar na minha carreira nessa parte de negócio de moda. Ajudar empreendedores aqui da comunidade, como que a gente faz campanhas de marketing, como que a gente cria coleções, coleções cápsulas, como que a gente faz para atrair o cliente… Eu fiz um curso de consultoria de imagem, então como que a gente pode colocar algumas coisas em prática dentro do nosso negócio de moda. Aí eu tô seguindo essa linha. Eu vou conhecer várias empreendedoras aqui, uma ótima oportunidade de fazer networking, trocar contato e me lançar aqui dentro mesmo. Eu faço nas minhas redes sociais, né? Eu faço parte da UNAS, ou melhor, a UNAS faz parte da minha vida desde sempre, eu sempre fui atendida na UNAS desde a creche até projetos de adolescentes. Eu falo que eu sou cria da UNAS. E daí estou sempre acompanhando tudo nas redes sociais da UNAS e vi que eles anunciaram o projeto. Pensei: É, chegou a minha hora! Mais uma vez a UNAS na minha vida, né?”, nos contou Amandda Carvalho, uma das alunas selecionadas para a edição do Boca Rosa Academy em Heliópolis.
Buscando parcerias com o poder público, a iniciativa privada e organizações sociais, a UNAS vem garantindo o suporte à implementação de projetos, programas e serviços de forma abrangente nas áreas de educação, cultura, assistência social, esporte, saúde, trabalho, mulheres, juventude, LGBTQIAP+, moradia e movimentos de base.
“Essa creche aqui do lado [referindo-se à creche que fica do lado do prédio principal da UNAS Heliópolis] foi a primeira creche aqui da comunidade, foi fundada em 1998. Aí foi o primeiro ano que eu participei de algo na UNAS. E eu sou filha de mãe solo. Então minha mãe tinha que trabalhar. Tinha que ir atrás do sustento e daí tem a UNAS, né? Por sei lá, coincidência, abriu essa primeira creche aqui, e eu fiquei na creche de um ano até sete anos. Aí depois fui pra escola e aí tinha uma outra questão, escola é meio período, né? E no outro período, o que que a minha mãe vai fazer comigo? Aí a UNAS tem vários projetos que atendem crianças e adolescentes e aí foi onde eu fiz parte mais uma vez desse projeto, o Parceiros da Criança. E aí de manhã eu ia para a escola, e à tarde eu ia para o Parceiros da Criança. E aí lá dentro tinha toda uma recreação, tinha ajuda nos estudos, tinha aulas de meio ambiente, informática, teatro, música, enfim, tudo completo!”, continuou Amandda.

Esse é o projeto mais desafiador em termos de impacto social de Bianca. Até agora, o caminho de Boca Rosa para se tornar um fenômeno é bem conhecido. Entre janeiro e fevereiro de 2020 ela participou do reality show mais importante da televisão brasileira e no ano seguinte deu à luz ao seu primogênito, Cris, carinhosamente chamado por ela de Gudugu. Algumas coisas estavam mesmo mudando na vida de Bianca e isso estava também refletindo na sua forma de pensar o mundo ao seu redor:
“Eu fico muito feliz porque realmente foi uma chavinha que virou na minha cabeça. E não só na minha, mas nas cabeças de todo o meu time. Muito legal quando a cultura de quem eu sou vira a cultura da minha empresa, né? E aí um dia a gente tava conversando [se referindo à Rosilene Miliotti] e falando: —Bom, Bianca, não é mais sobre ser influenciador, é sobre ser uma comunicadora social, você é uma pessoa que tem 19 milhões de pessoas te acompanhando. —O que você vai fazer agora com toda essa comunidade? Então, o meu primeiro passo eu não sabia como dar, por isso que a gente fez o projeto Deu Match, que é mesmo um match, né? Estamos aqui hoje na UNAS e é esse o momento de se juntar, de unir forças. Mas eu não sabia como fazer. E eu falo que quando a gente não sabe como fazer, a gente simplesmente vai lá e faz! E aí a gente faz desse projeto um laboratório pra gente entender o que deu certo e o que não deu. E deu muito certo!”

Rosilene Miliotti, que assume o front do projeto com Bianca nos conta sobre os anseios de investir num projeto grande e desafiador como a Boca Rosa Academy:
“A gente quer que elas se tornem mais independentes. Bianca é uma influenciadora de influenciadores. Ela [Bianca] está fazendo isso de forma estruturada, com metodologia, com cronograma, pensando em ir para outros locais, em ter um cronograma de ir pra dentro do Brasil, é um desejo nosso de não fazer só no Sudeste, mas de ir para dentro dos lugares mais vulneráveis. E a Bianca é essa pessoa que influencia outros influenciadores a fazer algo nesse sentido, com impacto de verdade e de forma contínua, sabe? De ser uma coisa que vá além, e não seja aquela coisa pontual de ajudar um projeto que já é muito bom, por exemplo. Mas que seja mais, já que pode ser mais! E a outra coisa que que a gente quer é que elas possam ajudar a própria comunidade. Então, o impacto começa quando a gente vem aqui e faz a formação. E quando elas se apoderam desse conhecimento elas se fortalecem, a família se fortalece e a comunidade se fortalece. Então é uma cadeia que se der certo acho que todo mundo tem a ganhar. A gente ganha muito e fica muito feliz quando outras pessoas se fortalecem, e elas, a comunidade e toda uma estrutura que tem ao seu redor, ganha. Então é o ganha-ganha que a gente quer. É esse o impacto e a gente quer isso, quer ir longe, transformar de fato, e transformar com justiça social, sabe? Não é só o empreendedorismo. De chegar e estimular dizendo aquela conversa de que todo mundo tem que ser empreendedor… Não é isso. Hoje é um dia, por exemplo, que a gente quer estimular uma reflexão. —Por que você empreende? Mulheres empreendem porque não têm acesso a emprego, porque é difícil circular na cidade, é uma questão de segurança… Muitas delas colocaram na ficha de inscrição que queriam um trabalho perto de casa, ou seja, elas não se vêem como empreendedoras, elas não se vêem tendo um negócio, elas têm um trabalho. —Então, por que você empreende? Você empreende porque você não tem condições dignas de trabalho, porque você recebe menos, porque tem que cuidar dos filhos, tem que cuidar de um pai doente… Então é uma série de questões que jogam a mulher para esse lugar que é a cadeia do cuidado, que é um fazer único, que é cuidar do outro, que é cuidar de uma criança. São mulheres que suprem a ausência do Estado com a falta de creche… Então ser mulher na favela é toda essa máquina. Por isso a ideia é fazer com que elas reflitam. Pense nesse lugar delas. —Eu sou empreendedora? Então é reflexão e formação. Por isso a gente chamou a Ana Fontes, o Vitor [Nisida] do Instituto Polis, pra gente bater um papo com elas. Tem uma aluna [Preta Chic] que foi do Deu Match aqui pra falar um pouco da experiência dela, e a Bianca. Então hoje [o dia em que realizamos essa entrevista] é dia de reflexão e a partir de segunda-feira [da semana que se sucederia] é mão na massa! É ver como é que funciona na prática o negócio e elas aplicando conceitos aos negócios delas e na realidade de Heliópolis, que é diferente da do Rio, que é diferente da do Recife, que é diferente de todo lugar. Então essa é a ideia, né, Jorge? Não adianta vir alguém lá da Zona Sul do Rio de Janeiro e falar —Ó, é assim… Não, calma aí! —Isso não funciona aqui não, eu tenho um pai acamado, é o que elas nos dizem. Não é assim, então é isso o que a gente quer fazer, trazer tudo para uma realidade delas.”
O híbrido do projeto, desenvolvido no Rio de Janeiro no primeiro semestre deste ano, o Deu Match, reuniu dezenas de mulheres do Complexo da Maré, entre elas, Preta Chic, que foi especialmente convidada a participar da abertura do programa educativo da Boca Rosa Academy em São Paulo. Preta nos contou sobre sua experiência e acredita que pode incentivar outras empreendedoras:
“É maravilhoso! Sim, é maravilhoso e estou encantada! É minha primeira viagem, eu adorei São Paulo, eu estou adorando conhecer essa comunidade [Heliópolis]. Estava, inclusive, lendo aqui [sobre a história da UNAS] e é isso, a comunidade é sempre muito unida, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, a união realmente faz a força, faz a movimentação e faz acontecer. E é um prazer estar aqui pra falar um pouco da minha experiência no Deu Match para essas mulheres empreendedoras porque a gente tá no mesmo barco, sabe? A gente calça os mesmos sapatos e eu acho incrível essa oportunidade que a Bianca dá pra gente. De a gente ter certeza que a gente pode evoluir, que a gente pode crescer e que quando a gente cresce e evolui a gente não esquece do lugar que a gente veio e de ajudar outras pessoas que estão no mesmo barco que a gente.”
Preta Chic é uma das atuais referências de sua comunidade em empreendedorismo, o que mostra o poder transformador de iniciativas educacionais e formativas. Preta se intitula uma “favelada do trampo chic” e “especialista em elevar a autoestima de mulheres pretas e periféricas” a partir do seu trabalho no Studio Preta Chic. Mas nem sempre ela se reconheceu como empreendedora: “Depois do Deu Match que me reconheci como empreendedora. Até então eu era só uma trabalhadora. Eu achava que, eu não tinha uma visão de empresa, eu não tinha conhecimento de como funcionava uma empresa. Então eu não me reconhecia como empreendedora, se eu não tinha essa base, eu não tinha esse conhecimento. E o Deu Match te dá, dá pra gente essa base, dá pra gente essa direção. —Olha, é assim que empreende.”
O projeto proporciona uma visão sobre o que é empreendedorismo, como gestionar, registrar, acompanhar e desenvolver negócios… Tudo para despertar o potencial empreendedor de cada participante. Sobre isso, Preta comenta:
“Vocês são empreendedoras, quando a gente começa a empreender na favela a gente é jogado na boca dos leões, a gente não sabe por onde começar, a gente acha que só tem que fazer um bom trabalho. E não é isso, a gente precisa entender que um bom trabalho vai além disso. A gente cuidar da gestão da empresa, é a gente cuidar do financeiro, a gente cuidar da rede social e quando a gente começa a cuidar dos detalhes… Que foi o que a Bianca apresentou pra gente, a gente começa a ver que a gente pode e consegue evoluir e as coisas conseguem melhorar. Eu trabalho com alongamento de unhas. E antes do Deu Match, eu não tinha nem MEI. Depois eu fiz meu MEI, estou tentando registrar minha marca e mudei de espaço. —Ampliei, sabe? Consegui dar mais conforto pras minhas clientes, agora eu penso mais nelas, penso em mim também… Estou correndo atrás. Eu estou vendo as coisas acontecerem e é isso que eu quero mostrar pras meninas aqui [em São Paulo]. Que essa oportunidade faz com que os caminhos se abram se a gente tiver com a mente aberta para absorver tudo que a gente aprende aqui…”
As ações da UNAS vêm a contribuir para o desenvolvimento pessoal e social de crianças e adolescentes, por meio de atividades socioculturais e educacionais no contra turno escolar que oportunizem a conquista da autonomia, a cidadania e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Projetos como a Boca Rosa Academy são importantes fatores de transformação, mobilização e ação comunitária. “E o impacto foi muito grande!”, nos diz Angela de São José Ferreira, Coordenadora de Projetos UNAS. E complementa:
“Enquanto UNAS a gente está muito feliz dessa parceria com a Boca Rosa e eu acho que nesse momento que o nosso país está passando, um momento tão difícil pós-pandemia, né? Tão delicado e com muitas pessoas em situação de vulnerabilidade; eu acho que esse projeto, essa formação, essa capacitação vai ajudar essas mulheres a alavancar seus negócios dentro da nossa comunidade. Encontrar elas, ou melhor, reencontrar elas após a pandemia pra gente foi e é de um carinho imenso. Poder ir em cada empreendimento, em cada comércio conversar e ver a realidade que cada uma delas passa. O aperreio mesmo, né? Falando bom português, o aperreio que cada uma passa dentro desses comércios. Então eu acho que esse curso vai ser histórico para elas. Você vê aí pelo número de pessoas que estão participando, né? E a ansiedade também que está dentro delas, da gente, de todo mundo aqui. Então, acho que todo mundo tem a ganhar. O Brasil tem a ganhar e principalmente a periferia de Heliópolis.”
Longe de qualquer mise-en-scène, o glamour de Bianca é sustentado por um toque muito realista de si, que é basicamente a própria Boca Rosa, e como ela tem sido desde que surgiu, há mais de uma década, e como se tornou um sucesso nacional. Bianca é a girl-next-door-turned-megastar [uma garota-da-porta-ao-lado-que-virou-mega-star] com quem você quer sair, rir e possivelmente conversar sobre tudo. Se, na escala de superestrela, Beyoncé é quase sobre-humana, então a Bianca se orgulha de ser, como ela mesmo disse, “super-humana; tipo, realmente humano”.
“Eu acho que todo influenciador é um comunicador social. Se ele não se enxergar nesse lugar a longo prazo não vai mais funcionar estando no país que a gente está. Então tem que ter essa responsabilidade e entender o que você pode mover ali pra fazer a diferença na vida das pessoas e vai criando uma rede de apoio mesmo. Eu faço ali de um jeito e aí eu acabo inspirando uma amiga minha que também é influenciadora e que percebe que é importante ter esse projeto… E é cada uma fazendo do seu jeito, cada uma encontrando a sua forma de incentivar outras mulheres. Eu fui através da minha história, né? De mulheres periféricas e fomentar o empreendedorismo feminino nas favelas, porque essa sou eu, né? Essa é a minha história e eu me sinto muito realizada quando vejo a Preta [Chic], sabe? Quando vejo Preta falando o que ela falou… Caraca! Eu to aqui pra cumprir com isso.”
O impacto de Boca Rosa nas redes é absurdo: São mais de 19 milhões de seguidores em sua conta no Instagram. No metaverso a sua versão digital chamada PINK também se destaca. Para além da Boca Rosa Company, Boca Rosa Beauty e agora Academy. E esses números são importantes quando levamos em consideração a dimensão de Heliópolis, que possui aproximadamente 1 milhão de metros quadrados e se localiza na região sudeste da cidade de São Paulo, a 8 km do centro.
Em sua área, hoje vivem cerca de 200 mil habitantes, o que faz de Heliópolis a maior favela de São Paulo. E somente pela UNAS são beneficiadas cerca de 1.500 crianças e adolescentes com idade entre 6 à 14 anos, em 11 unidades distribuídas por Heliópolis e bairros da região pelo CCA —Centro para Criança e Adolescente; mais de mil famílias em estado de vulnerabilidade social das comunidades do Parque Bristol, Jardim São Savério e Vila Livieiro são atendidas pelo SASF —Serviço de Assistência Social à Família: Chico Mendes, da UNAS; que tem por objetivo estimular o protagonismo das famílias na formulação e implementação de propostas coletivas por melhorias na qualidade de vida familiar e comunitária, proporcionando atividades de geração de renda e inserção social através da rede de proteção social do município. E muitas dessas mulheres e famílias foram diretamente impactadas pelas ações da Boca Rosa Academy, como nos conta Angela de São José Ferreira:
“Quando a gente batia na porta delas para falar do projeto, o primeiro impacto, na verdade, era a Bianca. Porque a Bianca é a Boca Rosa, ela é uma menina conhecida, né? E ela também tem um histórico que é muito parecido com os das mulheres daqui. Ela vem de uma favela, teve que lutar muito por trás da glória, né? Antes da glória veio a luta! Então pra elas foi surpreendente e o interesse era nítido quando se falava que era um curso de capacitação para alavancarem seus empreendimentos. Todas elas ficaram muito felizes e ansiosas e dizendo: —Graças a Deus realmente agora as coisas vão melhorar pra nós!”

As aulas da Boca Rosa Academy incluem um programa voltado para o desenvolvimento de projetos a partir de recursos digitais de redirecionamento de marca, produtos, de entender práticas de mercado e organização financeira. Temas importantes para Angélica Salgados, que nos contou sobre os seus anseios:
“Então, na verdade eu ainda não conhecia esse projeto dela, né? Aí a moça [a coordenadora da UNAS Heliópolis] falou comigo e explicou. Eu estava procurando também um curso do Sebrae… Porque esse ano eu já falei, esse ano eu quero focar! Esse ano eu vou conseguir me levantar, porque é difícil, viu? Na área da confeitaria aqui é muita concorrência também. Eu trabalho com confeitaria. Mexo com doces, já mexi com várias coisas, doces, salgados e tive comércios também. Já tive barraquinha, montei várias barraquinhas bem conhecidas na minha comunidade. E hoje em dia eu estou focada mais em produzir pão de mel e estou vendendo bastante pela internet, pelo instagram. Meu filho me ajuda com o instagram porque eu sou péssima na internet! Ele me ajuda, ele faz as vendas e eu só produzo. Então hoje em dia eu estou vendo que tá dando bastantes vendas, né? Então eu quero focar mais nisso, em aprender. Pela internet tem uns seis, sete meses que estou vendendo. Mas já tem uns cinco anos que eu estou nessa luta ainda, fazendo, eu mesma produzo, eu mesma vendo, as pessoas buscam lá em casa, aí meu filho agora sai pra vender também. Minha expectativa aqui é aprender a empreender, que é uma coisa que é o mais difícil pra mim. Tá sendo difícil pra mim aprender a empreender. Porque eu não consigo mesmo! Ultimamente, é que nem conto mais, já tentei umas quatro vezes… Quatro vezes, e dessas quatro vezes, nesta quarta vez eu fali o estabelecimento. Eu não fui pra frente pelo fato de não saber. Eu fazia as compras, vendia e ao mesmo tempo que estava vendendo estava gastando e não é assim. Então eu quero mais é aprender isso mesmo. Aprender a vender e empreender.”

Bianca entende que essas narrativas acontecem porque o conhecimento e a educação não chegam da mesma forma para todas as pessoas. Ainda mais aquelas que estão em regiões periféricas do país, onde as narrativas e estratificações são ainda maiores, com recortes de cor, gênero, sexualidade… Além das vulnerabilidade humanas. E reflete sobre os impactos e responsabilidades políticas e sociais de ações, como a que ela vem desenvolvendo; ao mesmo tempo em que oferece possibilidades de pensar na atuação mais efetiva e real de outros influenciadores e personalidades em suas comunidades e territórios em que ocupam e transitam. Nas últimas eleições presidenciais, Bianca se posicionou favorável à candidatura do Presidente Lula, pelo Partido dos Trabalhadores, o que motivou uma onda de revoltas por parte de alguns eleitores contrários, golpistas e de movimentos antidemocráticos. Mas ela permaneceu firme.
“Eu acho que a gente precisa não só culpar mas, claro, nós temos os nossos direitos. Nós precisamos reivindicar nossos direitos, isso é uma luta e precisa ser feito. Mas o que a gente faz agora, né? Dentro da nossa realidade e com o que a gente tem? E eu percebi que é isso, a gente se apoiar e a gente falar sobre, a gente falar sobre nossas vulnerabilidades. Isso sim é você se conectar com outras pessoas. Mesmo hoje tendo conquistado o que eu conquistei eu percebi que meu público se conectava comigo pelas minhas vulnerabilidades, pelas dificuldades que eu passo independentemente da fase que você vive, independente do contexto que você está inserido, você continua passando por vulnerabilidades. Então é assim, é fazer o que você pode fazer ali, né? Independente da fase da vida que você está. Então o que eu entendo é isso. Da gente lutar e ao mesmo tempo fazer. É lutar e fazer. Então eu acho que esse é o caminho.”

Um caminho que possibilita o desenvolvimento de outras narrativas e que põem no centro das discussões quem sempre esteve nas margens, possibilitando acesso à informação, educação, formação e conhecimento, desenvolvendo as capacidades socioculturais e socioeconômicas de nossas cidades, periferias e outros territórios. Sobre esses caminhos, Amandda Carvalho complementa:
“Eu costumo dizer que eu acho que minha vida seria outra se eu não tivesse participado desses projetos da UNAS, principalmente porque é de onde eu tive contato com a arte. Foi quando eu comecei a ter contato com a arte. Eles levavam a gente ao museu, né? E vem muitas pessoas, assim como esse projeto da Boca Rosa, aqui pra comunidade.”
E pergunto para Bianca se há doze anos ela se imaginaria formando pessoas…
“Não. Não imaginaria. Mas eu sempre fui sonhadora, sabe, Jorge? Eu sempre entendi a minha realidade, né? Óbvio que eu estava inserida nela mas eu sempre me dei o direito ao sonho. Eu sempre me permiti sonhar, sabe? Sempre me permiti acreditar que eu ia dar certo com o que eu tinha ali mesmo, um dia, um passinho de cada vez. Então acho que é esse pé no chão que me fez chegar onde eu cheguei. E tomara que eu passe essa motivação para essas mulheres!” [Risos]
Como não poderia deixar de ser, perguntei à Bianca qual a sua indicação de leitura para os leitores da Philos. Ela nos contou que estava lendo um livro especial acerca de uma teoria nipônica, o ikigai, defendida pelo neurocientista Ken Moji.
“Eu estou lendo um agora muito legal que fala sobre uma crença japonesa que se chama ikigai, que é sobre propósito. Então desde que eu comecei a me dedicar a projetos voltados totalmente aos meus propósitos, que eu me permiti viver isso, eu percebi o quanto eu estou feliz vivendo meu propósito. E aí uma amiga minha, —sempre uma mulher, sempre uma amiga, que me falou: —Leia sobre ikigai. E aí peguei o livro que eu estou lendo agora e é sobre você ver propósito nas coisas grandes que você faz, mas de ver também principalmente nas coisas pequenininhas, ali nos pequenos movimentos que se faz todos os dias. Ikigai é sobre você ter propósito nas coisas, na sua vida. Se questionar —o que eu to fazendo aqui? E está sendo muito legal ler esse livro [Ikigai: Os cinco passos para encontrar seu propósito de vida e ser mais feliz, do neurocientista japonês Ken Moji] porque foge de todo o livro que eu leio, que é sempre muito ferramenta de empreendedorismo, marketing digital e esse não, esse tá sendo sobre propósito e eu indico, ikigai.
Sonhos e anseios do futuro
“Ai é tanta coisa que já estou cansada! [Risos]. Menina, é sério! [Risos]. Mas é isso, a gente merece sonhar, a gente merece acreditar que a gente vai conquistar muita coisa! Eu quero muito levar minha história pro mundo. O que a gente criou aqui no Brasil de contexto de marca, de humanizar a marca, de criar storytelling pra todos lançamentos, de aproximar sua comunidade de você. Tudo isso, eu acho que é muito forte no DNA Boca Rosa, eu acredito nele e acho que isso pode ganhar espaço no mundo. Então, tenho muita vontade de expandir isso… Mas é aquilo, né? Um passinho, um dia de cada vez, tem muita coisa ainda pra construir é uma estratégia que ninguém fez ainda… Esse é um sonho que eu tenho a médio e longo prazo. Nem é tão longo prazo assim, médio-longo prazo, eu diria [rindo]. Tenho vontade de atuar mais na comunicação, eu amo comunicar. Quando eu estou num dia como hoje, eu falo: —Caramba, eu tenho o que agregar, né? Na vida das pessoas… E às vezes eu não enxergo isso em mim, sabe? Às vezes no dia a dia eu falo: —será que eu posso agregar? A gente se sabota, né? E aí quando eu passo um dia como hoje eu falo: —Caramba, a gente pode se ajudar! Porque eu também ganho muito, né? Então esse lugar da comunicação pra mim é muito forte. Eu sempre falo que queria muito apresentar algum programa legal que pudesse falar das lutas que eu venho abraçando. E acho que esses dois sonhos são sonhos que eu posso falar, os outros [risos] não vou falar.”
Estamos animados para acompanhar de perto esses próximos passos e sonhos de Bianca.
