De uns anos pra cá, o termo empoderamento foi a palavra de ordem em todo o mundo. Esteve no centro do discurso de diversos movimentos sociais. O conceito foi e é muito bem aplicado na luta por maior representatividade e criação de políticas públicas para as minorias.
A adaptação do inglês “empowerment” por Paulo Freire ganhou novo sentido aqui. Ao invés de esperar que venha do outro, os próprios grupos desfavorecidos tomam para si a reivindicação do seu poder de emancipação. O mecanismo para isso: a simples enunciação. Me enuncio, logo sou.
Em meio a globalização e ao multiculturalismo, o termo não se restringe a um ou outro movimento. Serve ao feminismo, ao movimento negro, ao movimento dos sem terra, aos imigrantes, etc. Tornou-se então uma ferramenta disponível a quem quer fazer eco junto aos seus e fortalecer um grupo.
A ascensão da extrema direita, em escala global, tanto em países centrais quanto periféricos, fez ressurgir um grande grupo por muito tempo fragmentado: a direita orgulhosa e empoderada.
Como todos vimos, a manipulação da comunicação por whatsapp e facebook teve muito a ver com isso. Nos Estados Unidos de Donald Trump vimos pela primeira vez os efeitos do conceito de pós-verdade nas eleições. Não se sabe o que é fato. Hoje já não há mais diferentes leituras sobre um determinado fato. Um mesmo contexto gera diferentes fatos. A existência do fato depende do grupo ao qual faço parte.
No Brasil de Bolsonaro estamos vendo os efeitos do conceito de autoverdade (brilhantemente cunhado pela jornalista Eliane Brum), a atualização, o F5 da pós-verdade. Ou seja, é verdade aquilo que eu digo que é verdade. E naturalmente, posso sempre desdizer. Portanto, é verdade o que eu digo que é verdade, e quando eu digo que é verdade. Trata-se então do empoderamento com o sinal invertido. O empoderamento do opressor.
Para o bem ou para o mal, a simples enunciação prescinde das relações. Não preciso que o outro atribua a mim a qualidade a qual pleiteio. Seja eu oprimido, ou eu opressor.
A morte da verdade já não é uma distopia. Como disse Hannah Arendt no “Origens do Totalistarismo”, o súdito ideal de um governo totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas aqueles pra quem não existe diferença entre fato e ficção, entre verdadeiro e falso.
Jair Bolsonaro sequer tomou posse do cargo máximo do poder executivo do país, e pouco a pouco surgem manifestações de arrependimento de alguns dos seus seguidores. Pessoas surpresas com programas e junção de pastas ministeriais improváveis, como Agricultura e Meio ambiente.
Ouvi recentemente de uma amiga: “precisaremos da velha política para fazer a nova política”. Isso tudo talvez porque ainda não sabemos usar a comunicação virtual peer-to-peer. Não temos lastro, talvez precisaremos também voltar à velha imprensa para fazer a nova. A impressão que dá é que evoluimos em progressão aritmética enquanto a tecnologia evolui a galopes em progressão geométrica. Esperaremos angustiados que um dia o relógio ajuste esses ponteiros.
Maiara Líbano (Rio de Janeiro, Brasil). É escritora e realizadora cinematográfica. Atualmente é diretora e roteirista na TV Brasil. É membro do coletivo Clube da Leitura do Rio de Janeiro desde 2013. Publicou diversos contos em coletâneas literárias, sendo a última delas “Nosotros – 20 contos latino-americanos”, ao lado de Marcelo Mirisola, Katia Gerlach, Myriam Campello, entre outros. No momento termina de escrever seu primeiro livro solo.