A voz de Lurdez Da Luz despontou entre as mais importantes da música paulista desde a sua estreia no revolucionário grupo de hip-hop Mamelo Sound System. Com rimas ácidas e contemplativas, Lurdez é uma das artistas pioneiras do rap nacional e lançou três emblemáticos discos: “Lurdez da Luz” [2010], “Gana Pelo Bang” [2014], “Acrux — Ao Vivo” [2017].
Conhecida pela agilidade e contundência das rimas e das ideias que atravessam o seu flow, Lurdez já colaborou com nomes como o Coletivo Quebrante, com quem lançou o EP “Hey Man/Pégasus 7”; realizou uma participação especial no primeiro álbum de Anelis Assumpção em “O Importante é o que Interessa” e do álbum coletivo “Ekundayo”, ao lado do grandioso Naná Vasconcelos e integrantes da banda Hurtmold. Lurdez também assina vários projetos musicais com o pernambucano Jorge Du Peixe e expoentes como Russo Passapusso e Kiko Dinucci.
Entre timbres e rimas, Lurdez Da Luz fala sobre a vivência feminina na região da Luz no coração da capital paulista, transitante com viés social e afetivo entre o rap e a música popular brasileira. As letras coloridas pela sinergia do criar fértil versam sobre desigualdade social, maternidade, cosmovisões decoloniais, afetos, encontros e o poder do corpo em movimento como expressão máxima da cultura. E a artista conversou com a Philos após a realização de um ensaio fotográfico, clicado pelas lentes de Bruna Monique, pelas ruas do Glicério, bairro em que Lurdez reside atualmente em São Paulo.
—Eu sou cria dos guetos do centro, né?! E nesse ano 2022 [o ensaio foi realizado no final do ano passado] voltei pra Baixada do Glicério, que fica entre o bairro da Sé e da Liberdade na divisa com a Zona Leste, um lugar que eu já tinha morado antes, bem no começo dos anos 2000 em uma kitnet com vó, pai e tio.
Perguntamos qual a sua visão sobre os aspectos sociais do Glicério, tão recortado por sucessivas levas de ocupações diaspóricas dentro da cidade de São Paulo.
—É uma quebrada como tantas outras, porém muito singular, pois a favela é vertical e boa parte dela é de pensões e cortiços. Mas é muito cosmopolita, é também uma colônia nordestina e tem comunidades de diversos países da América Latina, de diversos países da África, do Haiti também… Tem as crianças correndo, as travestis tomando sua breja na praça… É vivo. Eu gosto de chegar de um show ou de uma função e vê que a rua está cheia e barulhenta! Cada porta de comércio tocando sua trilha… É o brega, é piseiro, é o trap, aí passa a BM tocando funk e encobrindo tudo, as motos roncando e o baseado legalizado. E de dia também é bem agitado, e pra mãe facilita o corre! Os comércio locais de moradores daqui garantem uma variedade de opções, mercadinho, açougue, loja de naturais a granel, e tem uns estabelecimento das antigas que ainda estão firmes e fortes, a banca de fruta, com salada de fruta já cortada, inhame e banana da terra, tem comida nordestina boa, o açaí, as academias… Não que eu vá… Mas enfim… Prosperou bastante desde que eu saí daqui.

As questões que perpassam o racismo ambiental na cidade mais cosmopolita do Brasil também foram pautas da nossa conversa. O tema, em voga com a retomada do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, é importante pois leva em consideração as políticas e as desigualdades sociais e ambientais que impactam a saúde e o direito à cidade de populações indígenas, pretas e quilombolas, pobres e periféricas. A degradação [e a desigualdade] ambiental está vinculada aos problemas sociais, de gênero e ao recorte racial, principalmente na nossa améfrica latina.
—Eu lembro muito dos alagamentos. Enchentes mesmo! Eu morava bem no fim da ladeira e sei lá quantas vezes eu me atrasei pra chegar em algum compromisso, ou nem deu pra chegar! Fora a geografia, o saneamento básico era muito precário e o bairro já tinha uma alta densidade demográfica. E as pessoas também… Jogavam tudo na rua! E isso ainda é uma questão aqui. Porém já não enche mais como antes, tudo evolui. Essa volta pra cá me inspirou a querer uma maior conexão através da música e da vivência com as pessoas.

A entrevista e o ensaio completo de Lurdez Da Luz no Glicério você lê na próxima edição impressa da Philos de Verão 2023, que sairá logo mais, em março! Até lá, acompanhe a artista pelas redes sociais e não esqueça de ouvir o seu mais recente lançamento, o Single Devastada:
Bruna Monique nasceu em São Paulo, a bela e hostil cidade que a criou e a acolheu como uma filha. Aficionada pelo seu ritmo, forma e contorno, passou a registrar através de suas lentes, as formosidades e desigualdades da maior metrópole da América Latina. Inspirando-se na diversidade dos corpos femininos brasileiros e de suas histórias, vitórias e perdas, compôs pouco a pouco sua obra visual, carregada de verdades sobre a mulher latinoamericana.