mais que um corpo
magia antiga essa tua mão
colada com a minha
há décadas séculos sabemos
sabemos tudo só dessas mãos
entrelaçadas em sangue e carne
dessa insurgência atiçada
por magia antiga
nessas mãos entrelaçadas
um olho no canto da casa
o outro aberto no universo
como quem doma constelações
há séculos e serpenteia
por entre espinhos
a noite que nunca dorme
em vigília pelos corpos
arrastados por carros
abatidos por soldados
atirados aos bichos
cortados com faca
de ponta afiada e fina
há tempos não ando sozinha
na rua que não é minha
sinto essa multiplicação
começando no encontro
com teus olhos cansados
e cheios de vida depois
até mesmo no teu jeito
de andar igualzinho ao meu
junto a nós se somam tantas
de tantas cores e sentidos
de tantos lugares e desejos
corpo pertencimento
insistência de subjetividade
essa potência compartilhada
na magia da tua mão antiga
colada na minha mão
que encontra empatia
costurar tessituras
fiar os laços
a cama da memória
berço de embalar sonhos
construir tijolo
sobre tijolo sobre tijolo
escrever no muro o nome
o nome da ponte que
sobre o abismo se refaz
vontade de existir
como quem doma constelações
há séculos e mata monstros
para fortificar casas
cheias cheinhas
de crianças ao redor
essas nossas mãos
entrelaçadas em sangue e carne
serpenteando por entre
espinhos
trocando de pele
a cada encontro
um olho cuidando da vida
o outro aberto no universo
Pilar Bu nasceu no Sul do Equador em 1983, é poeta, leoa, sereia e mãe felina de quatro gatos. Triplo-fogo do zodíaco, é fundadora do Leia Mulheres Goiânia e tudo que envolve palavra lhe seduz. Com o passar do tempo, entendeu que a estrada é pequena demais para pra viver em apenas um lugar. Autora de Ultraviolenta (Kotter Editorial, 2017), já publicou em diversas revistas literárias como a Lavoura, Ruído Manifesto, Parênteses, Raimundo e Escritoras Suicidas. Contribui também com as antologias poéticas Os olhos do bilheteiro (Nega Lilu, 2016) e Maus Escritores (Demônio Negro, 2009). É Doutoranda em Teoria Literária pela Unicamp. Acredita na força do superlativo e na troca de pele da serpente. Em 2019 foi convidada da Casa Philos na Flip e seu mais recente livro, Bruxisma (Editora Urutau, 2019), é uma das melhores livros que já lemos esse ano.