Poemas do livro inédito Rosa que está, a ser lançado pela Iluminuras em 2019.

alinho

É preciso voltar
às rosas mais antigas
e suas exuberâncias
e seus frêmitos de infinito
às palavras surgentes
às vozes prometidas
nos ecos do que amanhece

é preciso voltar
aos gatos que compõem a noite
às cálidas cantorias
ao flagrante do gosto
aos votos interrompidos
às garatujas nos muros
às cigarras já sem valia

voltar será sempre preciso
girar a chave de formato único
pisar nas tábuas lassas e confessas
ouvir o apelo do oco
a ascese dos líquens no tronco
fazer irromper acenos que
contem não só desfechos.

Os silêncios recuperam
a porosidade das rochas
o advento das peças da flor
o insabido da brasa
e a razão à palavra.

É preciso acalentar
o momento em que se resolve
a história do espinho

e saborear
o estremecimento.

de se fazer

quando desenlouqueceu
amélia pôs-se a queimar a comida
a adoçar a sopa
a ter vaidades ruidosas

queria dançar mazurcas
quadrilha tango burlesca
o que fosse o que desse

queria pintar-se alçar-se
exercer-se

viu sua cara no espelho
deu sua cara a bater

banhou-se perfumou-se
batizou-se

e tratou de aprumar
as asas que a vida lhe deu

aquilo sim é que era voo de verdade


Luci Collin (Curitiba, 1964). É ficcionista, poeta e tradutora. Tem mais de 20 livros publicados entre os quais Querer falar (poesia, Finalista do Prêmio Oceanos 2015), A palavra algo (poesia, Prêmio Jabuti 2017) e Papéis de Maria Dias (romance, 2018). Participou de diversas antologias nacionais e internacionais (nos EUA, Alemanha, França, Bélgica, Uruguai, Argentina, Peru e México). Na USP concluiu o Doutorado em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês e dois estágios pós-doutorais. Leciona Literaturas de Língua Inglesa no Curso de Letras da UFPR.

Publicado por:Philos

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