as luas minúsculas
a Lucas Miyazaki Brancucci
O planeta não faz distinções
entre corpos, não os segrega
nessa atração irresistível
do sulco que ara no espaço,
traz a si bombas de drones,
maçãs soltas dos galhos,
pássaros a fechar as asas.
Intima Francesca Woodman
e Ana Cristina Cesar do alto
dos edifícios, mudo convite,
porque arte nenhuma jamais
fez evoluir penas em braços,
só fingimento, voo e fuga.
É preciso afastar-se do planeta
pra não despencar, fruta podre,
fazer como a Lua, os satélites,
a Estação Espacial Internacional
donde não se vê fronteira alguma
a não ser da China a Muralha,
os Andes, Urais e o Himalaia.
A Terra nos quer, nos deseja,
planeta possessivo, ciumento,
não permite que seus filhotes
se afastem. Somos todos luas
minúsculas, próximas demais,
damos nossos saltos e logo
nos repuxa a si, nos atraca,
faz tudo precipitar-se abaixo.
A xícara do café despenca
da mão cansada, as carteiras
caem dos bolsos, documentos
espalham-se pelas calçadas
e o mijo desce pela uretra
da mesma forma como chove
sobre nós granizo e merda
de pomba, Boeing e dinamite.
Ricardo Domeneck (Bebedouro, 1977) é poeta, contista e ensaísta. Publicou os livros de poesia ‘Carta aos anfíbios’ (Bem-Te-Vi, 2005), ‘a cadela sem Logos’ (CosacNaify/7Letras, 2007), ‘Sons: Arranjo: Garganta’ (CosacNaify/7Letras, 2009), ‘Cigarros na cama’ (Berinjela, 2011), ‘Ciclo do amante substituível’ (7Letras, 2012), ‘Medir com as próprias mãos a febre’ (7Letras, 2015) e ‘Odes a Maximin’ (Garupa, 2018). Em prosa, lançou ‘Manual para melodrama’ (7Letras, 2016) e ‘Sob a sombra da aboboreira’ (7Letras, 2017). Foi coeditor da revista ‘Modo de Usar & Co.’ (2007-2017). Seus textos foram publicados em revistas estrangeiras como ‘Lyrikvännen’ (Suécia), ‘Quimera’ (Espanha), ‘Asymptote Journal’ (Estados Unidos) e ‘Belletristik’ (Alemanha), entre outras.