Apresentamos dois poemas da artista Julia Peccini, natural de Niterói, Rio de Janeiro. Julia vive em Portugal desde 2018 e é Graduada em Português com menor em Línguas Modernas na Universidade de Coimbra e mestranda em Estudos Editoriais. É poeta e vê sua escrita como um processo inacabado de resistência e afirmação de si. Tem participação em revistas, antologias e festivais literários no Brasil e em Portugal. É autora dos livros Aqui cabe um poema (2021) e Nem só de amor vive Afrodite, a sair pela Casa Philos ainda este ano. Sem mais delongas, apresentamos dois textos da autora:
fendas
As folhas ficam curiosas
com a nossa língua
inclinam-se ao organismo
quintal de casa
o grilo
olha para a janela
sem saber o que iria
encontrar
se intriga,
faz cócegas no hiato
já crescido
incapaz de pular
as fendas da palavra,
balbucia sílabas disputadas
por toda parte
o grilo
paralisa as seivas
abre as amígdalas
cansou de ser alto-falante.
o grilo
camufla o torso
toma distância entre
as árvores e o
parapeito da janela
se prepara para o ataque.
última
tranço desculpas pelo atraso.
na verdade não é óbvio.
o livro tá dando um toque
mais para perto do banheiro.
ali na semana que vem eu apareço
com o pé atrás. não quero sentir o cheiro
escorregado da cama. a dor
me dá um pouco de medo.
ligo. a limpeza me dá olheira e eu não sei
porque você faz
tanta pipoca
melada e mela bem aqui
esse tanto nó de fio telefone cabelo.
não vi.
perdi o transporte e na Bahia
é só um transporte mesmo para me fazer correr o tempo
aventado. sim. ventou um pouquinho mais desesperado
era todo embargado esse
assoalho do banheiro
e não tinha cara de cama
mas alguém atendeu
àquela hora altura.
sensação gostosa amiga.
o papel rasgou limpo o
toque na caneta e
me desculpa o atraso.
essa vai ser a última da gente.
pode marcar.