Será sonho!
Tive um sonho uma dessas noites, Sonho.
De que o ano terminava e um novo ano começava.
E não entendi muito bem,
pois os dozes meses corriam altaneiros.
Realmente não entendi, mas acho que me queria falar de um novo ano, que estava
prestes a começar.
O mundo tinha preparado durante semanas grandes eventos.
Tinha decorado salas enormes para révellon e menus gigantescos e afrodisíacos.
As gentes tinham comprado roupas novas e brilhantes.
Tinham feito muitíssimas compras e presentes, e criado débitos estonteantes.
Havia salas parecidas a embrulhos de papel lindo com laços dourados e prateados.
Tudo era fantástico.
A comida era tanta que criava a ilusão de uma mesa sem fim.
Sim, era assim mesmo, Sonho, tudo era gigante e brilhante.
Tudo era decorado e as pessoas também.
Os corredores estavam cheios de luxúria cintilante.
Pareceu-me que as pessoas estavam risonhas. Pelo que eu vi, pareciam brindes de alegria.
Parecia …
Os olhares cruzavam-se e davam apertos de mão. Também havia beijos amorosos e calorosos.
Parecia…
Pareceu-me, exprimirem desejos de Paz e Amor.
Estavam todos animados com um Feliz Velho Novo Ano.
Não havia lembrança do mundo fora dali, naquela celebração.
Não conheciam os desertos frios das guerras e das fraquezas dos mais simples.
Tudo me parecia estranho, porque fora, bem perto da grande cidade brilhante, havia uma rua escura e pés descalços. Havia rostos rasgados de choro. Havia peitos que cintilavam em drogas e dores. Havia mulheres, homens e crianças que tinham as mais estranhas das dores.
Naquela sala nasciam novos projetos, brindes e abraços de esperança.
Parecia…
Do outro lado da rua, escura, não sabiam, o que o futuro traz, ou qual seria o amanhã de bonança.
Naquela sala, apenas estavam desejando um novo ano repleto de alegria ,
AMOR E PAZ.
Tive um estranho sentimento, Sonho.
Se o sonho não fosse sonho, eu teria fugido de vergonha.
Ilda Pinto (Portugal, 1961). Autora, literária e artista plástica de técnicas mistas de colagem sobreposta. Vencedora do 3° lugar do prémio Literacidade 2014 Prosa-Crónicas, Prémio Clarice Lispector de Literatura, 2015- Contos pela Editora Comunicação e 3° lugar no Prémio Castro Alves de Poesia.
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