para marielle claudia luana
Hoje foi morta Marielle Franco
com quatro tiros contra a carne preta
como tantas carnes pretas
contra as quais há tantos tiros
que não chegam
(mas chegam
duros, torpes:
dores
que não chegam).
Hoje foi calada Marielle Franco
como recado calado para todos
os pretos para que se calem
contra os tiros contra as carnes pretas.
Hoje foi morta Claudia, ontem
nessa noite em plenos dias
nesse ontem que é sempre hoje
no tempo sem fim dos que são mortos
(porque são pretos)
em vez de morrerem
no tempo sem fim das balas
que tão velozes não chegam nunca
não terminam nunca de rasgar
ontem hoje agora nunca.
Claudia também foi morta
por um tiro
mas antes de morrer
foi arrastada pelo asfalto
presa por um pedaço de pano
ao porta-malas do carro
dos policiais que também
foram os que lhe deram um tiro
ao peito preto.
Hoje ontem desde sempre
há quanto tempo
foi morta Luana
que nem de tiros precisaram
para matar a tapas
chutes porradas de cassetete
e até de capacete de moto
porque para matar preto
quando não tem tiro
serve o que tiver
hoje ontem desde sempre
por quanto tempo?
Este poema não tem a dor
das pretas e
dos pretos
porque eu não sou preto
e tanta dor
não cabe no poema
(o tamanho tanto
dos tantos tiros
não cabem nem
em todos os poemas)
mas o poema tem voz
que nem tantos tiros
contra todos os pretos
e todas as pretas
e todas as Marielles
Marias Melissas mulheres
Claudias Carinas coragem
Luanas Larissas lembranças
vão matar
até que parem
hoje.
(não à) guerra
a elite das capitanias
e seus capatazes
da “nova” república
querem pacificar
o leblon
à custa de uma
guerra aos pobres.
não, leblon:
enquanto não houver
dignidade para o povo
não haverá paz
para a burguesia
Thássio Ferreira (Rio de Janeiro, 1982). É poeta e contista, autor do livro de poemas (DES)NU(DO) (Íbis Libris, 2016) e de contos publicados nas antologias Prêmio VIP de Literatura 2016 (A.R. Publisher, 2016) e “Entre Amigos” (Sinna, 2016). Recentemente, seu livro inédito de contos “Cartografias” foi um dos pré-selecionados ao Prêmio Sesc de Literatura 2017. Tem poemas e contos publicados em revistas diversas como Philos, Germina, Mallarmargens, Revista Semeadura e Avessa.