Bala perdida
Que bala é essa, nesta pressa de chegar?
Vem voando, riscando o espaço,
buscando um corpo,
qualquer corpo que a possa acalentar.
Que bala é essa que não é doce,
mas quente em demasia?
Não é trem-bala, tampouco embala,
às vezes resvala corrigindo a trajetória
e não se sabe onde vai parar.
Que mãos acionam o mecanismo
da pistola ou do fuzil,
libertando num segundo
uma força sem controle,
mensagem de dor e morte?
Serão talvez estas mãos capazes
também de afagar ou de abençoar?
De onde vem essa bala?
vem de cima ou vem de baixo,
de arma oficial ou clandestina,
das ruas desta cidade,
do Borel, Cachoeirinha,
Juramento, Dona Marta,
Coroa, Maré ou Rocinha?
Que endereço tem?
a quem é destinada?
Ninguém quer ser destinatário,
seu fim de curso, seu repouso.
Mas ela chega inesperada,
vem buscando alojamento.
Queira o destino ser camarada
e lhe dê como albergue
alguma massa fria,
onde repouse sem dor nem sangue,
talvez até despercebida.
Paulo Cid (Rio de Janeiro, 1948). Escritor carioca.