A nossa conversa com Jacques Fux é uma obra inacabada e celebra a participação da Philos na 15ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip 2017. Nosso correspondente especial – o escritor Thassio Ferreira -, que assim como Jacques, está sempre reescrevendo seus textos; encontrou o autor na Livraria Travessa para uma entrevista que será publicada em duas partes.

“Enquanto eu transcrevia o áudio do nosso papo, fui-me alarmando como que algum leitor mais rigoroso (como eu mesmo o sou) poderia classificar spoilers de um livro. Então, feito Hamlet, que se fez louco por astúcia, decidi pagar de louco, publicando apenas os trechos menos comprometedores de nossa conversa, para dar tempo a vocês [leitores] de lerem Meshugá. Leiam a entrevista, leiam o livro e voltem. Eu prometo mais perguntas, mais respostas e alguns bastidores em escrita reelaborada como ato de contrição pelo abuso. A gerência agradece.” Thassio Ferreira

Como foi receber o convite da Flip e qual sua expectativa sobre o evento?
A minha história com a Flip é antiga. Acho que a primeira ou segunda teve um show do Chico Buarque, mas eu não fui (Chico participou da segunda edição da Flip em 2004, e na edição de 2009). Mas eu fiquei lendo, e desde então eu sempre fiquei muito interessado na Flip. Em 2011, quando eu fui pela primeira vez, eu achei aquele lugar encantador, maravilhoso. Há dois anos atrás eu lancei meu livro pela Rocco e teve a casa Rocco lá. Eu sempre participei no Brasil inteiro, de feiras literárias, mas a Flip para mim era um sonho, um evento muito grande, muito bonito, que consegue trazer as pessoas. Então quando eu recebi o convite achei maravilhoso! Eu fiquei muito feliz, e venho pensando nas coisas para se falar, estou muito alegre, é um grande sonho. A literatura por mais difícil que ela possa ser, e ela é, ela tem me realizado grandes sonhos.

Neste ano o homenageado da Flip é Lima Barreto, cuja figura guarda algumas interseções com seu romance mais recente, Meshugá. Barreto sofreu na pele não só a loucura como muito preconceito por ser negro, você acha que ele daria um bom personagem de Jacques Fux?
[Risos] De fato, eu acho que estou lá por causa disso, nesse momento em que lancei o Meshugá, que trata da loucura e tem também uma outra entrada: a questão do auto-ódio, que são as coisas que os outros sempre falam sobre algumas minorias, depreciando negros, judeus, e as pessoas acabam introjetando isso. Eu fui atrás de fazer um corte pela loucura judaica, então eu fui atrás dos judeus que acabaram introjetando esse ódio milenar com relação a eles. Então, ele não seria um personagem do Meshugá [Por não ser judeu, intervém o entrevistador], mas daria um bom personagem literário em outro contexto, eu gosto dessas biografias. Para fazer o Meshugá eu li muitas biografias, muitas teses de doutorado sobre o tema, e aí fui construir os personagens, que são muito biografados mas o narrador entra nas cabeças deles, e está aí a ficção. Então o Lima Barreto poderia ser um personagem, eu faria a biografia dele e entraria na cabeça dele. A loucura é um tema riquíssimo.

Eu li você declarar em outra entrevista que fez uma pesquisa extensa para os personagens reais do Meshugá. Você se permite ir ficcionalmente contra os fatos que tenha apurado ou nada da ficção do livro contradiz a realidade?
Ou seja, você se permite alterar os fatos ou apenas completar as lacunas, especialmente com o narrador entrando na cabeça dos personagens? Eu li muitas biografias, muitos estudos, mas acho que como escritor, ficcionista, eu tenho essa liberdade, então eu não me policiava tanto para ir a fundo e saber se de fato exatamente tudo aconteceu. Tem que ter alguma verossimilhança, tem que ter lógica, alguma construção, tudo baseado na biografia, mas com muitas subversões, e acho isso um recurso muito interessante literário que eu uso; eu uso aspas muitas vezes que não existem, não uso aspas em trechos que são citações, eu acho que isso enriquece a literatura, meu objetivo é justamente esse: criar novas redes literárias, um hipertexto. Eu brinco, o que é verdade, o que é mentira, eu gosto de brincar com o leitor, ele tem que entrar no jogo.

E se os personagens retratados pudessem ler sua obra, como você reagiria?
Eu fico sempre pensando no Woody Allen, que está vivo, tem um poderio financeiro gigantesco, se ele me processasse… Mas eu acho que em uma leitura sensível do livro se percebe que é ficcional, e além disso o narrador não se propõe a fazer juízo de valor dos acontecimentos. Então por exemplo, a história do Allen é complexa, né, ele casou com a filha adotiva da ex-mulher, e o narrador entra na cabeça dele, da ex-mulher, a Mia Farrow, e da filha, e ao entrar na cabeça deles é ficção pura, e eu não estou criando juízo de valor. É um livro de ficção. Mas eu acho que seria legal… Eu fiz um curta em que falo de uma mulher comendo churros, de um conto que eu escrevi, e no curta eu a estou descrevendo e de repente ela vem e interpela o narrador, que sou eu. Eu acho legal esse diálogo, e aí, sou eu que você está representando ou não sou? Eu gosto dessa brincadeira, então acho que seria interessante alguém ler.

Como você decide que um livro está pronto? Você revisa muito, reescreve muito?
Eu escrevo muito, vou reescrevendo várias vezes. Talvez a primeira escrita seja a mais sofrida e menos prazerosa. As reescritas, como um diamante que você vai lapidando, são muito prazerosas, porque você vê o negócio melhorando, mas mesmo assim você tem muita insegurança. A minha insegurança é eterna. E mesmo, por exemplo, meu primeiro livro, que ganhou o prêmio São Paulo, eu estou querendo relançar, e se ele sair por outra editora eu pretendo reescrever algumas partes, mesmo de um livro publicado. E eu acho que esse desejo de reescrever não vai parar nunca.

A partir daqui nossa entrevista foi se aprofundando no enredo e na técnica do romance, que Fux diz ter sido o que o levou à FLIP deste ano. Eu poderia simplesmente digitar esse alerta de spoiler e seguir em frente, mas não. Eu, um louco não judeu, avanço para as perguntas de estilo tiro rápido do final da entrevista e deixo esse miolo suculento, carnudo, para depois. Perdoai-me, eu não sei (ou sei) o que faço.

Você lê mais ficção, não-ficção ou poesia?
Ficção e não-ficção.
Um bom título de livro é?
Um que te encanta mas não cai no lugar-comum.
Um conselho aos jovens escritores?
“Não seja escritor”. Porque na verdade quem aceitar esse conselho não tinha que ser escritor mesmo, entendeu?
Você lida bem com críticas?
Quando é construtiva, acho bem interessante. Dói, todas as críticas doem, mas também de todos os elogios você desconfia… Eu tento melhorar tudo, né, mas é uma angústia eterna…

A literatura é um antídoto contra a loucura? Ou um convite?
É um convite, né?! Mas talvez seja um convite também a tentar compreender a loucura, não só à loucura por si só, mas também uma tentativa de compreensão.

Um autor que merece ser mais lido?
[E eu me antecipo, com receio de que Jacques roube minha piada: não vale dizer você. Antes de responder, ele embarca na piada:] É, eu mereço! Os chineses deveriam conhecer minha obra, né, pelo menos cem milhões de chineses, porque é uma porcentagem ridícula no todo. [Como Jacques é o especialista de nós dois tanto em matemática quanto em literatura, não questiono se a adjetivação “ridícula” a dez por cento da população chinesa é um juízo matemático ou uma força de expressão. Ele então responde:] Quando eu morava nos Estados Unidos me perguntavam qual autor eu achava mais maravilhoso e eu respondia Guimarães Rosa, completamente desconhecido e inacessível para os americanos. Então fica essa dor, de saber que talvez nosso maior escritor, a meu ver, a gente não consegue passá-lo para o mundo. Eu brinco que a gente só fala português para ser capaz de ler O Grande Sertão: Veredas no original.

O mais difícil em escrever é?
A angústia, né?! De saber se é bom, se você vai conseguir expressar tudo que você quer. A maior dificuldade é a angústia de escrever.


Jacques Fux (Belo Horizonte, 1977). É formado em matemática, mestre em computação, doutor e pós-doutor em literatura. Estreou na literatura com Antiterapias (Scriptum, 2012), que obteve o Prêmio São Paulo de 2013. O seu romance mais recente é Meshugá (José Olympio, 2016), que reinventa a vida e a obra de nomes como a filósofa Sarah Kofman e o cineasta Woody Allen para explorar temas como a loucura, a identidade judaica e os limites da ficção. Foi pesquisador visitante na Universidade de Harvard e também publica ensaios, sendo o mais recente Literatura e matemática (Perspectiva,2016), finalista do Prêmio APCA.
Thássio Ferreira (Rio de Janeiro, 1982). É poeta e contista, autor do livro de poemas (DES)NU(DO) (Íbis Libris, 2016) e de contos publicados nas antologias Prêmio VIP de Literatura 2016 (A.R. Publisher, 2016) e “Entre Amigos” (Sinna, 2016). Recentemente, seu livro inédito de contos “Cartografias” foi um dos pré-selecionados ao Prêmio Sesc de Literatura 2017. Tem poemas e contos publicados em revistas diversas como Philos, Germina, Mallarmargens, Revista Semeadura e Avessa.

Publicado por:Philos

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