Temos a alegria de apresentar uma mostra de poemas do escritor Igor Dias, de sua obra A beleza sem regras de Copacabana, publicada pela Philos neste verão. Antes, porém, deixamos um trecho do texto de orelha do livro, escrito pelo crítico literário Moisés Guimarães:
O que o amigo leitor verá no livro de Igor Dias é uma cartografia de um poeta que tem na palavra a correspondente fluidez do seu tempo. Há uma matéria posta que escorre no verso e se transforma ora em alento ora em fuga mas tanta vida, tanta, para que serve? Copacabana cinge esse olhar, certamente. São nas leituras e pinturas que atravessam Igor Dias que o leitor compreenderá o uso estético destes recortes, saberes esses que coabitam de significantes. De Franz Fanon a mascara que vesti a Ferreira Gullar em alguma parte alguma sua poética parece jogar luz à margem, aquilo que por vezes escapa. Seria essa alguma estratégia de ancoragem?
Sem mais delongas, leia uma seleção de poemas de A beleza sem regras de Copacabana, acompanhados de ilustrações de William Mattos:
soy loco por ti
copacabana é uma santa
boliviana
bolívar é
o herói da independência do sul
a mulher
peruana
venezuelana
argentina
colombiana
paraguaia
chilena
uruguaia
brasileira
a mulher latino-americana
na esquina da rua bolívar
com a avenida nossa senhora de copacabana
não é uma santa
o homem
gaúcho
guarani
aimara
ianomâmi
quilombola
aimoré
quechua
tupi
o homem latino-americano
na esquina da rua bolívar
com a avenida nossa senhora de copacabana
não é o herói da independência do sul
sem herói, mas com heroína
sem santa, mas com santinho
simón e a virgem
pleníssimos de latinoamérica
na esquina da rua bolívar
com a avenida nossa senhora de copacabana
que nos redime
que nos liberta

piquenique
encontrado um piquenique
na esquina da duvivier com ministro viveiros de castro
tinha farofa
frango e alcaçuz
e uns doces de criança
podia ser macumba
mas é que tinha também uma tortinha de banana vegana
e um sachê de chá verde
calor, cachaça
incensário e flor de hibisco
ayahuasca perdida no meio das imagens
de santinhos, vinho, pisco,
no meio da rua, junto à árvore velha mãe
de santo, gaia
na gandaia o piquenique divertido ou sacro
santo, na esquina
ao que o gari
que trabalha e lida
com o medo
do que continua sendo
lido
a duas quadras da praia
por escrito
a essa hora
quase cedo do torpor
do que lhe cai nas mãos
que reverencia e defenestra
antes que o dia amanheça
despacho
o piquenique
abrindo mão
de um dia de sol que começasse
com o barulho das ondas
mate de galão na aurora
no meio da rua de cor
e salteado
a que chamamos copacabana

fingida esfinge
Depois, quando tiver sido desfeito
aquele tênue fio de saliva
que une as duas bocas, se esquiva
a moça, diz que tem muito preceito,
e, de outro modo, não teria aceito
essa proposta, porém não se priva
do beijo roubado, posto que é viva
e sempre soube que esse é o defeito
das mulheres e dos homens; é jovem
e apesar dos preceitos, ela vai
fazendo e negando, distribuindo
beijos arredios; finge que cai
nas histórias deles, que vêm pedindo
afagos, mas com nada se comovem.
Igor Dias é carioca e nasceu no outono de 1987. Além de escritor, é também engenheiro de produção. Publicou “Além dos Sonetos Breves” (2012, poemas), “Dinamarca” (2015, contos), “Extravios” (2018, romance epistolar escrito em conjunto com a escritora Vivian Pizzinga) e “A expansão bandeirante não acabou” (2018, ensaios). Participou da antologia de contos “Nosotros – 20 contos latinoamericanos” (2017), com um conto sobre a ilha de Cuba. Colaborou também com as antologias dos coletivos literários de que faz ou fez parte: “Clube da Leitura”, “Caneta, Lente & Pincel”, e “Poesia em profusão”. “A beleza sem regras de Copacabana” marca o seu retorno à poesia.
William Mattos nasceu em Taubaté, interior de SP, onde nunca foi incentivado a ser artista. Com dezoito anos foi para Ouro Preto – MG para estudar Teatro mas acabou sendo empurrado para o cinema por um professor amigo. Formou-se em cinema pela Universidade Federal Fluminense, onde começou a ser reconhecido por suas produções digitais. Em 2020, com o apoio de amigos, aproveitou a quarentena de covid-19 para reviver uma prática adormecida: desenhar. “A beleza sem regras de Copacabana” é seu primeiro trabalho como ilustrador, além de ser início de sua jornada como artista plástico.