Residência Artística idealizada por Evandro Angerami e Paulo Ribeiro reuniu dez artistas do Brasil e do Chile para uma imersão criativa em Paraty
«Sonhamos de cabeça para baixo». A literatura e as artes exigem que olhemos para fora, ou através delas. Podem, portanto, tornarem-se elementos de reflexão sobre as forças que organizam nosso mundo, bem como meios de expressarmos nossa própria identidade. Durante o processo de construção deste projeto editorial, vivemos um dilema contemporâneo: como democratizar as artes e a literatura em um mundo em transformações não mais permanentes, onde as velhas formas – de pensamento, comportamento, moral, ética, e de arte – já não cabem? E as novas formas ainda não estão claramente delineadas e estabelecidas?
Durante o Festival Internacional de Artes Gráficas de São Paulo, fomos convidados para desenvolver o catálogo da exposição coletiva com os artistas advindos da Argentina, Brasil, Chile e Itália. Tarefa árdua de compor uma exposição com mais de 120 artistas que dialogavam entre as artes gráficas, visuais e instalação. Em conversa com os curadores, surge a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento da primeira residência artística que surgiria no pós-finart.
A Residência Atlântica reuniu uma extensa seleção de artistas relacionadas aos “fluxos criativos que circundaram o processo curatorial do Festival”. Paraty é um território chave nessa residência: a região historicamente produz cenas de hibridismos culturais, associando artes e literatura, para além das vivências dos povos originários que ali habitam e da conexão intrínseca com a natureza.
De maneira inédita, a exposição “Atlântica”, exibida na Galeria Aecio Sarti, no Centro Histórico da cidade, reuniu dez artistas vindos do Brasil e do Chile, organizada de forma não cronológica em um único núcleo. A mostra contextualiza-se dentro da produção realizada pelos artistas em dez dias de residência, dando sequência às temáticas tratadas dentro da programação do Finart e assinadas pelos curadores Paulo Gallina e Lola Fabres.
Do ponto de vista institucional, esse projeto concretiza uma parceria notável entra a Philos e a Residência Atlântica, que acolhe os núcleos centrais do nosso projeto, as artes e a literatura. Cumprimentos especiais para os idealizadores e artistas, Evandro Angerami e Paulo Ribeiro, pela excepcional colaboração e projeto no intuito de expandir nossa cultura de latinidade.
Os temas apresentados por todos os artistas foram vastos e incluíram territórios, períodos, mídias, objetos e linguagens distintas, evitando por completo inflexões eurocêntricas. Apesar disso, diante dos processos de cada artista e da não interação de técnicas, deve-se destacar a fragmentação e parcialidade na mostra, uma incompletude já esperada em formatos de residências coletivas.
Diferentemente de outras abordagens, o compromisso da obra de arte no cenário das exposições, não ficou à espera de um crítico, de um guia, de um iniciado, que a valorizasse ou lhe conferisse aceitação e afeto: os artistas, cada um em seu tempo, experimentaram suas subjetividades na criação de seus projetos, de forma que a escolha das peças para exposição foram tratadas com muita naturalidade entre os curadores e artistas. Ninguém poderá identificar genuinidade ou reminiscência de cultura nas obras, a não ser retratos de provedores de uma cultura de mista e aspectos étnicos e de pertinência distintos.
Acerca dos artistas
Amanda Argenton diz que “A arte existe para não morrermos com a verdade”. Em suas obras, a leveza do traço étnico associado às cores do meio natural criam uma representação dos povos originários e sua relação com os dilemas da modernidade.
Para a artista plástica e idealizadora do Finart, Carola Trimano, a Arte é algo natural e necessário. É um estilo de vida, um estado de espírito contemplativo e sensível, de amor pela natureza e por todos os seres viventes. Um caminho de celebração da harmonia, do belo e do bom, de paz e bem e alegria para o artista e todo o seu entorno. Para completar, a artista ainda parafraseia o célebre autor nordestino, Ariano Suassuna, que nos diz: “a arte para mim é missão e festa”.
Carolina Oltra Thennet é chilena, artista de múltiplas faces e realizadora fotográfica. Licenciou-se em Artes com menção em pintura pela Pontifícia Universidade Católica do Chile, com estudos de Arquitetura, História da Arte e Fotografia na Universidade de Valparaíso, UCLA de Los Angeles e Venice College EE.UU.
Evandro Angerami é de São Paulo, suas obras são fortemente influenciadas pelos clássicos como a arte bizantina e as técnicas pictóricas meticulosas do século XIII que o artista faz contemporâneas, mantendo elementos materiais como o uso da folha de ouro. Independentemente dos suportes que utiliza, cada pintura tem a tarefa de manter uma relação próxima com a Natureza. Seu trabalho é dividido entre o atelier e as atividades ao ar livre com as comunidades locais e indígenas brasileiras. Suas obras estão presentes em coleções permanentes de instituições internacionais, como, entre outras, a Associação Internacional de Gravação de Kyoto no Japão e o Museu de Arte Contemporânea de Bogotá, na Colômbia. Exposições individuais em Paris, Nova York e São Paulo e uma série de participações em exposições coletivas, incluindo as das Nações Unidas em Nova York.
Julia Paranaguá desenvolveu sua obra “Tratado de Tordesilhas”, que perpassa pela óptica da memória, reconhecimento e pertencimento de um passado histórico-familiar-cultural.
Lucas Fonseca é arte-educador, historiador e artistas plástico formado pela Universidade Federal de Pernambuco e pela Universidade de Pernambuco, respectivamente. Suas obras são compostas de técnicas mistas entre a gravura e aquarela. Na residência, produziu a mostra “Pássaro protetor”. Para o artista arte é “a capacidade de conexão do inconsciente entre as pessoas”.
Marco Stellato desenvolve técnicas criando hibridismos entre formas e matizes para expandir os aspectos do caos urbano.
Paulo Ribeiro nasceu em São Paulo e desde muito cedo mudou-se para o interior, onde teve contato com os folclores, festas e ritos populares. De volta para a capital, recebe um pedido para produzir 5 obras para o escritório Centro das Arte sobre o comando do art dealer, Paulo Sergio Leme da Fonseca. Em 1994 faz um intercâmbio no Vale do Silício, onde frequenta o curso livre de artes na Escola de Artes Notre Dame, da Namur University. Em 1996 apresenta sua primeira mostra individual, Cores. Em 2002 a convite do arquiteto Eduardo Longo, apresenta a exposição individual, Cotidiando, no Amuseum (Casa Bola) em São Paulo. Em 2006 é convidado pela cooperativa de artistas visuais do Brasil a participar da coletiva Mutantes na Parede. Participa em 2017 da coletiva Expo Fundação no Ateliê Braço Forte Contemporâneo, em São Paulo. Mais recentemente, participou com a exposição Orixás, do Off Flip em Paraty, no Rio de Janeiro. Para além das feiras internacionais como a Spectrum Art Fair (Miami) e a Art Expo (NY) representado pela Saphira & Ventura Gallery.
As linguagens híbridas também fizeram parte das obras criadas durante a residência, Thiago Calle e Caligrapixo apropriam-se dos símbolos e grafias para criar os seus “Dicionários de Linguagens Imaginárias”. Assim como Olavo Amaral em sua obra homônima, os artistas reafirmam o inapropriável direito à apropriação do desconhecido.
Thiago Calle é poeta, grafiteiro e artista plástico. Iniciou-se no graffiti em 2005 e encontrou a convergência das diversas facetas de sua arte dentro do universo das letras. Publicou dois livros independentes de poesia que somam mais de 7 mil exemplares vendidos. Desenvolveu seu alfabeto autoral, a “callegraffia”, e o utiliza na criação de seus trabalhos em telas, murais e livros.
A Philos e a Residência Atlântica são fruto da identidade coletiva de nossos autores e dos pensamentos que os compõem e os insere na máquina social. Esse projeto nasce de uma experiência comum, e gera outras, incondicionalmente. Pela forma polissêmica com que damos vida e espaço ao trabalho artístico de nossos colaboradores, nossa obra jamais pode ser percebida e compreendida de apenas uma maneira.