Trecho do livro “Correspondências de um invisível”.

Onde eu fui parar? Você me empurrou ou será que fui eu que, com os meus próprios passos, cheguei até aqui?
Estou sentado e não vejo razão em escrever esta carta. São palavras desconexas, sem um porquê. Existe prazer escrevendo? Você que plantou nuvens tenebrosas em meu coração. Você que fez de minhas tripas couraças grossas. Você que sempre me laçava como se eu fosse o gado mais arredio e esquisito do rebanho. Você que me cutucava com suas esporas, abria ferida em minha barriga e me fazia sangrar. Mas eu era mula manca, pai; cavalo com as pernas amputadas, pai. Corria sem sair do lugar.
Durante anos eu tateei estrelas distraído em meu banheiro minúsculo. Eu podia senti-las em meu ovo esquerdo — que é maior do que o direito. Incomodava, mas era divertido descobrir uma constelação no meu saco. Por vezes, eram dúzias de estrelas cadentes jorrando do buraco estranho que chamam de meato.
Lembro de começar a me masturbar cedo demais. Deitado sobre o colo de minha mãe, enquanto ela falava ao telefone, eu esfregava o pênis entre as minhas pernas. Como se elas fossem uma vagina velha e seca. E pouco cabeluda. Naquela época, eu não tinha muitos pelos. A minha memória diz que não, mas são velhos tempos e eu posso estar enganado. Em todo o caso, foi a partir daquele instante que eu comecei a sentir uma certa excitação. Hoje, posso me considerar um viciado em sexo solitário. Ou um frustrado sexual, reprimido, recalcado e que — exatamente pela sua incapacidade de ter uma vida sexual saudável — vive procurando sarna para se coçar, vive procurando estrelas para tocar. De qualquer forma, é bom saber que daqui ainda sai alguma coisa. Do meu estranho órgão chamado pênis. É bom saber que não serve apenas para urinar. Muitas vezes eu me lembro das estrelas. E me sinto frustrado nesses momentos, murcho, como se eu não pudesse produzir estrelas tão brilhantes quanto as do professor de educação física que eu tive na escola.
Pai, esse papo já está qualquer coisa, eu sei, e estou ficando encabulado. Melhor seguir em frente. Até porque estou aqui, imerso em meu próprio mundo, perdido em meio à certeza de estar desancorado. Posso fazer escolhas, mas ainda preciso de alguém para me guiar, sabia? É desconfortável descobrir isso aos 53 anos. Eu preciso de charrete, de um tuk-tuk pedalado por alguém com a nádega bem gorda e com aquele cheiro peculiar que só os miseráveis possuem. Uma exsudação malcheirosa e excitante.


Rafael Zveiter (Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, 1979). Colaborador da Revista Philos, autor do livro de poemas Visceral (2012) e do romance Correspondências de um invisível (2017).


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Publicado por:Philos

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