Difícil seguir e ser um bom cristão na rua. Sim, existe um cristão na rua. Não é abrir portas, mas sim fechá-las para sufocar as palavras que no Oriente são sufocadas pelo punhal. Não há nada de mais ignóbil que persistir nos farrapos do velho Nordeste com a pieguice acolhedora, com os velhos abraços calorosos e conversas na cadeira de espaguete. Pudera eu usar da força de Vargas e queimar todas as bandeiras hasteando a ilustre bandeira nacional. Mas não a tenho. Acabo por recolher a bandeira do Nordeste. Recolher essa bandeira que insiste em se tornar um animal na frente das câmeras de telejornais e documentários. Não me envergonho, devemos assumir-
nossa precariedade. Triste ter que observar as falsas interpretações dadas a Euclides da Cunha, um homem nobre, justo e um bravo monarquista.
Não bastasse a seca contemplada por nosso grandioso sol, nossa cultura é fadada ao descaso que o próprio povo entrega a educação e a mudança. A tradição é a criminosa nos bancos do réu, a verdadeira escória que insiste em assolar nossa tão amada Chapada do Corisco com costumes que muito se assemelham aos ladrões portugueses e aos bárbaros aimorés. Não fosse a boa e velha sala de aula, hoje estaria conjurado a viver sob os “cabrestos” da tradição.
O desprezo pelo cristianismo, não fora outro… fora apenas a maneira domesticada que a mim fora passado. Por vezes sob a sola do velho chinelo japonesa, sob o duro cabo de vassoura, erguido aos céus pelo pescoço como um bruto animal. Não transcreverei aqui, palavras cujo desejo será apagá-las do dialeto regional, e por que não nacional? Coitada de minha pobre mãe ! Apenas uma miserável presa às misérias da tradição. Uma dose forte de sincretismo religioso regado ao catolicismo devoto mal interpretado, com uma dose de espiritismo e “macumba”. Uma negra tão bruta nos costumes culturais, mas mansa nas visitas. Não fora por querer o cultivo de tão animalesca personalidade. Por momentos de dores de menstruação, a velha camiseta do Hugo Napoleão servia-lhe de absorvente. Sem infância, sem adolescência, sem juventude. A mão não soubera o peso de uma boneca, estivera ocupada demais segurando pacotes de arroz e farinha e batendo os portões de casas pedindo um feijão, uma cuscuz, um pouco de açúcar. Com isso, ganhara mais traços de um animal embrutecido. O canalha do Sérgio Buarque de Holanda se atrevera em atribuir isso às dividas históricas do branco sobre o negro.
Não, não somente o peso de uma vida miserável deixada por uma tradição tão podre quanto as tribos africanas que cultivam o espúrio ato de mutilação genital feminina. Além dessa, mais duas mãos pesaram sobre essa pobre negra desequilibrada do juízo. Uma fora a própria pele, essa prisão negra que o tempo persiste em marcar os afrodescendentes. A pele, essa era a sua maior prisão. Outra, o resultado da segunda, o preconceito, o racismo, a mão pesada que recebera diversas vezes do velho caminhoneiro, Cazuza. Por infortúnio, o miserável é… Avô paterno, um racista de primeira, tão sórdido quanto à tradição. Nem em todos os aforismos nietzschianos rebaterá o bom livro sagrado “negue-se a si mesmo e carregue sua cruz”.
Não queira que eu dê continuidade as descrições para atos cometidos por esse senhor, há lembranças que merecem ser enterradas no mais profundo incons-ciente freudiano, pois as palavras podem ser sobre-pujadas por um pranto. O pior é receber a estampa da cara do miserável em frente ao espelho. Não a culpo pelos atropelos e excessos nas pisas rotineiras. A coitada era apenas uma negra fugindo das pisas da vida sem consciência alguma do que estava por fazer. Não, não se engane que todo o asco que tenho pela falsa cultura nordestina que é atribuída sobre o povo esteja, restrito a minha progenitora. Está mais ligado aos animais que seguram as rédeas dos cavalos. Os bons intelectuais e políticos progressistas, esses cabem o papel de sustentar que a tradição corra viva entre as almas mais porcas de nossa mesopotâmia. O povo é a própria cova de nosso estado. Quando se falta o milho, oferece o capim!
Não me agrada ver e sobreviver sob a ótica da piedade. Ela é como um estimulante a vagabundagem. Jovens de 13, 14, 15 anos grávidas. Meninos remelentos nas ruas, catarro descendo pelo nariz, pedindo doce, correndo com a barriga d’água. Estes pobres animais darão continuidade ao fracasso do bom Piauí. Não, não tenho ódio e asco por eles. Tenho por seus costumes. A pobreza virou traço cultural imaterial do nordeste, ela deve ser solapada sob o peso do lápis e do caderno. Para o bom progresso, Disciplina. Não reitero o que Nietzsche declara sobre “paus e pedras”, nem tão pouco sobre “o que não me mata me torna mais forte”. Não estamos na Alemanha, nem na Áustria. Aqui, meu caro amigo, é nordeste, cabra da peste. Não quero ser cabra, nem da peste. Quero ser apenas um brasileiro da boa e velha Província do Piauí. Aqui, o que não me mata, me adoece, me aleija.