Vales e colinas de jade luzente. À flor dura da tarde, tudo cintilava em cegueiras de vidro. Só a sombra, despida, dançava aos pés do carvalho emudecido.
Os corpos respiravam como o mundo: lentos, naquela ondulação suave de quem não conhece fome. Não viviam sonhos ou cores que não aquelas. As aves bastavam, desfraldadas à brisa de dorso palpitando como prata ao beijo do sol.
À boca levavas o cálice com a graça de quem louva a luz resplandecente, num gesto de rio reconhecendo águas semelhantes. Meu era o silêncio dos trevos. Naquela intimidade solar, esquecia o insistente apelo dos orvalhos.
Nenhum toque era pedido. Parecia que na tangível eternidade do dia as boninas cintilariam pelas noites vindouras. Mas setembro nunca deixa o verão celibatário em sua morte. Que linho se não tinge no desflorar das amoras?
Uma gota enganou os teus lábios na dormência da hora. Escapando à vigília das mãos trigueiras, encontrou subitamente refúgio no macio conforto dos teus seios. Diante do rastro púrpura, a fulva chama despertou no mais íntimo dos incêndios.
Pedro Bela Clara (Lisboa, Portugal, 1986). Ocasional prelector de sessões literárias, colaborador e colunista de diversas publicações portuguesas e brasileiras, autor de três blogues e de seis livros, entre poesia e prosa.