Na mostra de poesia neolatina, apresentamos quatro poemas da escritora Sabrina Nóbrega, de seu livro de inéditas Viene Irene, que será lançado pela Casa Philos neste inverno. As ilustrações que acompanham os poemas, bem como todo a direção de arte do projeto são assinadas pela artista Maria Flexa. O projeto gráfico e editorial é assinado por Felipe Braga. Nas palavras da crítica Marcela Medina: O livro de Sabrina Nóbrega é uma declaração de consciência da vertigem que é existir feito multidão dentro de si mesmx. É também a aceitação dinâmica do outro, em convite generoso para o passeio inusitado, e doloroso, às vezes, dentro de existências que clamam por um sentido quando o sentido parece a confusão e o caos.

Sem mais delongas, leia a mostra A primeira gravação & outros poemas:  

A primeira gravação

Aquele gesto que precisa de mais força pra existir no mundo ou quase-gesto, se me permite usar o hífen antes dele nunca mais existir.
Já me despedi de coisas, e muitas, possíveis de fotografar.
Resisto às despedidas das coisas que nem conseguiram encarnar.
Quanto tempo e lenço hei de molhar pelas antigas despedidas dos quase
que arrasto em grilhões…
Se viessem se espalhassem se durassem
[pretérito imperfeito ou presente prenhe de futuro?] 

o corpo vem a 

se 

falhasse 

Se não te gravo esta tinta no papel agora, morrerei por horas em ato sem palavras! Serei mais um gesto-vulto a caminhar no deserto em busca de água, em silêncio.
Lá vão mais palavras sem ato:
Um quase-amor morto por falência de quase-beijo desfilando em sonho.
Lá onde o corpo não sofre as marcas do tempo, lá onde somos perfeitamente.
Poderia rir do tropeço da noite e cair inspirada num poema-vivo, mas veio um quase-choro, não gosto de despedidas.

estudando o besouro

admirável inseto:
vem e pousa nessas linhas de caderno
esboça uma dança, um desenho alheio
tão cedo se cansa e sai voando
sábio passeio analfabeto 

1. 

Para que um dia deixe pra lá
esse andar de joelhos
promessa repetida
o escuro na língua
o pranto passado
violência afiada, não
não irei de barroco mais
travar nenhum duelo de sangue
não haverá diabo nem santo
pecado mastigado a sal, não
eu garanto, vai ter alforria
vai reluzir do preto
meus dentes brancos
um perdão inacabado 

2. 

Me chamou o barulho de uma concha
um trompete e um violoncelo
ventou orquestra de areia
madrepérola
fez-me sopro, corda
elo
dobrou-me papel em barquinho
ondas pra não sei onde


Sabrina Nóbrega é brasileira, latino americana. Nasceu em 82 no Rio de Janeiro, mas passou grande parte da infância entre Rondônia, Brasília e Paraguai. É psicóloga clínica, dedica seu tempo a ouvir histórias diversas em seu consultório. Observa o ser humano a se construir na tecitura de palavras amarradas e desamarradas: escutar é seu encanto. “Penetra surdamente no reino da palavra”. Penetra, eis o convite feito por Drummond em seu poema “Procura pela poesia” e que a autora segue à risca tanto em seu consultório como em seus projetos literários. Escritora de blogs e caderninhos, estreia seu primeiro livro em meio ao caos mundial pandêmico de 2021. Escrever é sobre viver.

Publicado por:Philos

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