e agora enquanto respiramos na palavra e
temos fôlego
escute
para que não desapareça
cada risco que nos fala
que nos diz
mulheres
de uma afro-latino-américa
na palavra respiro
y afro-latino-américa y caribe viven
cada vez más
en mi piel
y te diré porque es asi
lo que pasa
es que
en mis venas
en mi piel
y en mi sangre
viven
mis tías
ellas son fuertes
ellas son fuentes
y viven
desde siempre
en la casa
en la ciudad
en la isla
vive en la casa y la casa sigue en pie
na revolta eu respiro
y afro-latino-américa y caribe viven
cada vez más
y ahora, mientras respiramos la palabra y
tenemos aliento
escuchemos
para que no desaparezca
cada riesgo que nos dice
mujeres
cada risco que nos fala
que nos diz
mulheres
de uma afro-latino-américa e em-meu-corpo-o-caribe
lembrar o risco de
ser mulher
afro
latino
indígena
nesta terra
ser negra
o ser negro
os povos originários
deles ouvir a palavra
e dos trabalhadores
sem teto
sem terra
e trabalhadores
das artes
das ruas
ouvir
a cada fala na diversidade
esse que pergunta e pesquisa e ensina e vive
e fura essa fala
de impérios novos antigos
às meninas e meninos
escutem
e aqueles para quem casa não é abrigo
e a nós pra quem o país não é mais casa
a cicatriz
lembra
na pele
esse país ferido
que some com os nossos mortos
repetidas vezes
apaga os nomes
apaga a língua
o que fazer para não sumir
nessa terra ferida
para não sumir
quando vivíamos e crescíamos
nos últimos anos
pela primeira vez
me vi
e agora
o país perdeu a humanidade
perdeu a língua
e quer apagar todas as línguas
que dizem esta terra
que dizem antes
bem antes
dela se cobrir não de vergonha
que não existe
mas de sangue
que não para
não estanca jamais
e esse sangue
apesar de correr
e manchar a terra
nos diz também
que somos muitos
e esses poucos
que grunhem
não têm sangue
nem veias
não têm raízes
eles secam
nós não secaremos
nunca
nem o menino
que morre
todos os dias
em casa
ou no caminho da escola.
quem não vê
o sangue no caminho
manter viva a mancha
senão morremos
e se temos essa coragem
se sentimos essa dor
de escutar na pele a memória
estamos vivos
mesmo sendo difícil
respirar
continuam a morrer
os que livram a pele
os olhos
do horror
se você vive e logo é
se você se move
e logo é
nem se quisesse
seria possível
não ver tanto
minha caribe-latino-américa vive
a revolta raízes
na revolta respiro
y todas las vidas
a lanzar
a lançar um grito
mãe, me ajuda
milena, me ajuda
ferida tão grande essa morte
esse
é meu filho
disse a mãe
no supermercado
deixa
eu
ajudar
disse a mulher
de joão alberto
e suas vozes
no inferno
de ouvidos surdos
ferida tão grande essa morte
o mínimo poder e você ameaça e coage e
abafa cada voz que pede ajuda
e para esses monstros
dane-se a vida
jogam peso
força
todo o corpo
todo o seu ódio ao corpo
e à pele
e à vida
para impedir a vida
pedir ajuda, não
deixe que falte ar
milena, é porque eu sou preto
mas cada um vai gritar, joão alberto
vidas negras importam, sim
não quero no caderno essa morte
no chão esta linha este sangue
risco a falta de ar
o silêncio
a fiscal acompanha, ela anota e permite
deuses da barbárie
e as pessoas assistem
algo nelas morreu
não assistem a vida
a chama
em seu íntimo perigo
assistem a morte
e o incêndio virá
por cada um que se esvai em sangue
se esvai em espera
não poder se mexer é tempo grande demais
instante que não cabe
esperar esperar
porque o ar não vem
pra que te soltem
pra que te ajudem
e agora
y ahora
mira
escucha
mientras respiramos
enquanto respiramos na palavra e
temos fôlego
escute
para que não desapareça
cada
risco
para que no desaparezca
cada
riesgo
de la revuelta raíces
en la revuelta
respiro
vidas
en la noche de
vaga
lumes
Susana Fuentes é escritora, atriz, autora do romance Luzia (finalista do Prêmio São Paulo de Literatura) e do livro de contos Escola de gigantes, seleção Biblioteca do Professor no programa “Rio, uma cidade de leitores”, da Secretaria Municipal de Educação (RJ), ambos pela editora 7Letras. Participou de diversas antologias. Escreveu a peça teatral Prelúdios, em quatro caixas de lembranças e uma canção de amor desfeito, solo em que atua (selecionado para o The New York International Fringe Festival). Também é autora de Anotações de Berlim (Megamíni) e Carta ao Sol (Funarte). A gaivota ou a vida em torno do lago acaba de ser lançado pela 7Letras (poesia).