Sempre fui um entusiasta do trabalho da Beatriz. A primeira vez que nos encontramos, em 2018, num restaurante na Lagoa Rodrigo de Freitas, falamos sobre política brasileira, antropofagias e nossas memórias sobre a Hilda Hilst. Faltavam duas semanas para a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, onde Beatriz estaria com Márcia Tiburi numa mesa na estreia da Casa Philos. Aquela noite de quarta-feira me rendeu muitas boas lembranças e o Sol da amizade antropofágica, das mãos de Bia. De lá pra cá nunca nos separamos, nossos encontros e abraços são uma grande alegria, e sempre acompanho os projetos, sonhos e anseios dessa amiga.
Beatriz Azevedo é poeta, compositora e performer, multiartista brasileira. Doutora em Artes da Cena (UNICAMP) e Mestre em Literatura pela USP. Estudou no Mannes College of Music em Nova York e na Sala Beckett em Barcelona. Atualmente é Pesquisadora de Pós-Doutorado na UNICAMP/FAPESP. Escreveu Antropofagia Palimpsesto Selvagem, publicado pela Cosac Naify e re-editado pela editora do Sesi, que conta com prefácio de Eduardo Viveiros de Castro e desenhos do artista Tunga; Abracadabra (Demônio Negro) com prefácio de Zé Celso Martinez Correa; Idade da Pedra e Peripatético com prefácio de Jorge Mautner (Iluminuras). Está nas antologias de poesia contemporânea Garganta e Ato Poético, organizada por Marcia Tiburi; no Lula Livro; e em Acabou Chorare, com Arnaldo Antunes e Caetano Veloso.
Gravou os discos A.G.O.R.A., com composições originais e participações de Moreno Veloso, Matheus Nachtergaele e Zélia Duncan, antroPOPhagia ao vivo em Nova York, gravado no Lincoln Center em Nova York; e Alegria, com participação de Tom Zé, todos pela Biscoito Fino; Mapa-Mundi e Bum bum do poeta, pela Natasha Records Brasil (Nippon Crown Japão).
Beatriz Azevedo criou parcerias musicais com Augusto de Campos, Cristóvão Bastos, Vinicius Cantuária, suas composições foram gravadas por Adriana Calcanhotto, Tom Zé, Zé Celso Martinez Correa, e outros. Dirigiu e assinou a dramaturgia dos espetáculos teatrais I Love Maiakovski e Lili Brik, Matamoros, Ópera Urbana Zucco, Bilitis, Fantasia de Fedra Furor, Funâmbulo, trabalhando com atores como Maria Alice Vergueiro, Lucélia Santos (no incrível Cabaré Transpoético), Magali Biff, Rosi Campos, Petrônio Gontijo, Jairo Mattos, Leopoldo Pacheco… Como atriz, foi dirigida por encenadores como Zé Celso Martinez Correa, Aderbal Freire-Filho (conheci Beatriz por meio de do Arte do Artista, do Adebal, na TV Cultura), Celso Nunes e Marcio Aurélio. Como tradutora, traduziu textos de Jean Genet e Bernard-Marie Koltès.
Ainda estava em Recife quando fiz o convite à Beatriz para participar da nossa edição de abril, para uma mostra de poemas de sua mais recente obra. Tudo é genial em ABRACADABRA, é cabalístico. Os poemas nos jogam nessa ilha de ruídos, de falas necessárias. Semanas depois, já no meio da pandemia que nos afeta, muito honradamente recebo em meu e-mail a mensagem de Beatriz, que diz: “Melhor que um ensaio… estou enviando em primeira mão… o texto do Zé Celso sobre o meu livro Abracadabra!” Zé Celso escreveu que Beatriz vem abrindo alas num mundo tomado pela Palavra Morta in Fake News. Abracadabra traz a palavra que conhece o seu ofício diante dessa enfermidade ligeira da linguística. Depois disso, nada mais posso fazer além de abrir espaço nesse singelo texto de abertura para o prefácio de Zé sobre a mágica e poética obra de Beatriz Azevedo:
Prefácio de Zé Celso
ao livro ABRACADABRA de Beatriz Azevedo
Bi-Atriz Azê
Yo, Vêdo
ABRACADABRÁSTE-TE
Muito Cêdo
Já depois do Golpichement
Y Atravessa hoje
o Muro das Lamentações Pós Eleições
Já de dentro de seu Tesouro de PALAVRAS
publicando Agora na Divina Comédia Brasileira
tornada ao Século 11-Pré Dante:
“ABRACADABRA”
Penetrando in caminhos Nunca Dantes Navegados
In Palavras Liquens Perfurantes,
com as Próprias Palavras
Relavradas,
infiltrantes na Língua Criola Brazileira
q “já passou do Português”.
Cada vez q li seu Poema,
fui levado por sua via magnética
das Palavras inRedadas,
in Redes q se desenredam,
saltimbânticas in Teias Tetéias
q atraem a ser Cantadas
DeCantadas. Musicadas.
Drummond publicou seu Poema “No Meio do Caminho”:
(o mesmo outro mezzo camino do Poeta Dante y Beatrice na “Divina Comédia”) na
Revista Antropófaga, criada por outro Andrade:
o Oswald Poeta Muso Dante desta Beatriz Azevedo.
Esta linhagem de Dante a Beatriz
vai antropofagiando o senso comum,
virando o direito ao avesso,
num abre caminho,
abrindo alas
num mundo tomado pela Palavra Morta in Fake News.
Este livro-poema ABRACADABRA
é a Subversão da sub-versão.
É a Alegría de Circo dos q se lançam
dos Trapézios sem redes, Funâmbulos
que chegam do Outro lado
Vivos sem temer a Morte.
Palavras Palhaças
finos fios q tecem
o Salto Imortal da Vida
Sempre Surpreendente
y Plurisignific-Ativa.
Podia ficar digitando dias y noites
na inspiração do ABRACADABRA
– mas tenho q parar de escrever hoje
por q nesta semana estreamos,
inspirados neste ABRACADABRA:
“RODA VIVA”
refrescando-nos com o Público na Cachoeira das Letras dos Versos das Musicas de
Chico Buarque, na primeira Peça do Jovem Poeta de 24 anos ao encontro das
CARAVANAS dos 74 anos do Poeta q não perde a Lyra.
Beatriz Poeta Amada,
hoje q escrevi este Prefá-Cio pra você,
foi meu único dia de folga.
Precisava sair de mim, ver um filme, tomar um banho de mar,
mas teu ABRACADABRA ME TROUXE INSPIRAÇÃO
PRA ESSA TRAVESSIA COM “RV2”=”RODA VIVA” y
“RV1= “O REI DA VELA”.
Gratidão Eterna Musa Poeta Beatriz
Zé Celso
Exú das Artes Cênicas
Laroiê
Sem mais delongas, apresentamos uma mostra poética do livro Abracadabra, de Beatriz Azevedo, lançado pelo Selo Demônio Negro, em 2019:
Poesia não dá camisa a ninguém
a vida inteira ouvi isso:
“poesia não dá camisa a ninguém”.
melhor,
vivo nua.
Agora
Agora
para balançar esta
libido neopentecostal
dos canhões de phalos ocidentais
só uma frente de alegria frontal
uma festa de floresta total
uma capoeira de 360 graus
uma encruzilhada de Bauhaus
uma fresta de poesia original
um moquém da deusa canibal
uma lilith vedete tropical
um comunismo tribal
da era transmatriarcal
com xamãs de iphone
tocando berimbau
Centauros com lentes de contato
centauros com lentes de contato
psiquê de silicone
medusa de mega-hair progressiva
vênus de mamilos com botox
alquimias virtuais
plantas dormem com sede
florestas imaginam suas próprias chuvas
dilúvios nas metrópoles ateias
some meteorites are older than the formation of the earth
repare bem:
há uma impressão digital na pedra
há um olho no furacão
há um ouvido na terra
há uma boca no mar
e Xamãs cantam para que o céu não caia
Beatrice
io sono la Beatrice
senza dente
sono la Beatrice
dândi
abbondante
sono la Beatrice
stridente
gigante
io no sono piu
la Beatrice di Dante
Abracadabra
abracadabra
cada traço da palavra
me dê seu abraço
abracadabra
cada cabra abra seu lastro
seu berro seu béééé errante
abracadabra
cada pétala se abra
de cada chacra
do corpo da palavra
abracadabra
cada passo faça
voo rasante
no rastro da asa
abracadabra
todo astro ilumine
a minha casa
toda poesia em brasa
me aqueça no seu aço
abracadabra
toda porta fechada se abra
todo cansaço passe
nenhuma dor nos alcance
até a via láctea dance
na mágica lábia
da sábia palavra
abracadabra
Minha memória é um território minado
Cresci ouvindo vó Nazita falar do Gualaxo,
da fazenda onde passou a infância
nas redondezas da cidade de Mariana.
Brinquei muitos carnavais
subindo ladeiras de paralelepípedos
na Ouro Preto de meus avós e bisavós
na Vila Rica de minha mãe.
Quando mais tarde quis conhecer o Gualaxo,
o famoso afluente do Rio Doce,
e me banhar na doçura das lembranças da minha avó
– o rio de repente virou lama.
Um tsunami de rejeitos da civilização
que mata, explora, vende o invendável.
As Minas Geraes totalmente usurpadas
do ciclo do ouro ao ciclo da lama
a terra esburacada, perfurada, estuprada
em toneladas de ganância e brutalidade.
Transborda a lama tóxica
Derrama a lama trágica.
Minas é um território minado.
Minha memória é um território minado
Vó? Não há mais.
Mãe? Não há mais.
Minas não há.
Só há lama.
Escape no Skype
Procurei você no chat
Você escapou no skype
Pinterest acho muito hype
Agora tem mais glitter no twitter
Queria falar com você no what’s app
Vi que você mudou seu look no facebook
Um beijo, até amanhã, vejo você no instagram
De tanto ficar online não estamos todos borderline?
Renovação tropical
A Igreja da Renovação Tropical Maravilha de Jesus
convida para a cerimônia solene
do Milagre da Multiplicação dos Orgasmos.
Após a sessão de Desapego do Rivotril,
a descatequese prosseguirá
com o Sermão da Teologia da Libertação Tropical
em honra, luxo e glória
de Nossa Senhora da Cloaca Divina Hilda Hilst.
Chamamos todos os infiéis para a novena mística
dos últimos capítulos da novela bíblica lésbica.
Haverá ainda a leitura das Notas de rodapau de
São Genet das hermafroditas descalças.
Venham todos para o Sermão da Montanha Mágica
entoar os quânticos dos quânticos:
este é meu corpo que é dado por voz
Eu sou a pedra no meio, o caminho, a verdade e a vida
Sou a Renovação Tropical, a Renovação Tropical sou Eu.
Irmãos, é dando que se recebe.
Deu é amor.