Fui ao banco, mas não havia nem mesmo uma cadeira para sentar. Banco é um iate de luxo para quem tem paciência que a vida vai melhorar e ajoelha no invisível fazendo promessa econômica. A paciência, por sua vez, vai mudando cada vez que não há banco e a fila, estando todos de pé, somente aumenta sua trilha mais distante da rua – a rua é o lugar sonhado para quem está dentro do banco. Atravesso a rua, presságio da liberdade; do outro lado o destino pretendido, mas não encantado – o Fórum. Esse é o irmão gêmeo do banco, mas curiosamente não tem mãe. O Fórum é a cama da Justiça onde a infidelidade mora, se se chamasse Motel seria mais digno. Depois de três horas nada resolvido, a poesia morre por alguns minutos nestes instantes. Mas, nem tudo está perdido.
Entro num táxi e tocava “Infinito Particular” na voz sublime de Marisa Montes. Volto a sonhar. O motorista diz: “música chata demais né!?”
Essa cumplicidade entre taxista e passageiro no Rio de Janeiro é um blefe da euforia pensando que existe amizade à primeira vista – se há amor não sei, mas amizade é córrego se tornando oceano no fim da vida.
Não satisfeito, ele completa: “o senhor me dá licença, mas eu vou ouvir notícia do FlaxFlu para ver se o Flamengo barra a liminar”.
Como eu disse: é a Justiça.
Times de futebol são patrocinados por Bancos.
Saí do táxi e sentei num banco de praça. Estou na rua.
A liberdade é um encontro tardio consigo próprio, sem constrangimentos.


Paulo Emílio Azevêdo (Rio de Janeiro, 1975). Professor, Doutor pela PUC-Rio em Ciências Sociais, escritor, poeta e coreógrafo. Recebeu diversos prêmios, entre eles “Rumos Educação, Cultura e Arte” (2008/10) pelo Instituto Itaú Cultural e “Nada sobre nós sem nós” (2011-12) no âmbito da Escola Brasil/Ministério da Cultura para publicação do livro Notas sobre outros corpos possíveis (2014). Seu mais recente livro, O amor não nasce em muros (2016), tem prefácio assinado pelo editor chefe da Philos.

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