Composta por cinco pinturas e uma instalação, a exposição Apenas o Hesitar, individual da artista visual Danielle Cukierman e curadoria de Ana Roman, propõe ao espectador explorar as complexidades do ato de hesitar ao adentrar o universo de imagens, elementos e campos de cor construídos pela artista.

Na mostra, serão apresentadas cerca de cinco pinturas de pequeno formato (30 x 30cm), que dialogarão com uma instalação ao centro do espaço expositivo. “Especificamente nas pinturas dessa exposição, eu estou representada. Me coloco dentro da imagem como uma pessoa que está insegura, que não certeza para onde ir e nem como ir”, descreve a artista.

Desde 2019, Danielle trabalha com a ideia de ‘rota de fuga”, propondo ao espectador uma reflexão sobre rotas que poderiam ser consideradas seguras, sejam elas digitais, espirituais ou físicas. No seu corpo de trabalho, a artista busca recodificar elementos cotidianos e de sinalização pública, relativizando seus signos e levando-os para o campo da arte. Dessa forma, cria metáforas para debater sobre possíveis maneiras de “escaparmos dos desequilíbrios causados por um mundo de imagens e distrações”, conclui Cukierman. 

Ao centro do espaço expositivo será montada uma instalação denominada ENTRE, em formato de cortina, composta por tiras de PVC industrial coloridas e translucidas que formará uma espécie de divisória no ambiente. A artista convida o espectador a adentrar esse ‘campo de cor’ e ser “tocado” por ele, de forma sensorial. 

“Na exposição ‘Apenas o hesitar’, somos convidados a explorar as complexidades do ato de hesitar. Ao adentrarmos esse universo, as cortinas translúcidas coloridas e pinturas que retratam o corpo da artista em suspensão nos conduzem a uma reflexão que ecoa as obras de mestres da literatura, como Franz Kafka e Jorge Luis Borges, que também sondaram os labirintos da existência em suas narrativas. Cukierman utiliza essas instalações para nos convidar a contemplar as diferentes perspectivas e caminhos que se desdobram diante de nós, nos lembrando que a jornada do autoconhecimento e da compreensão do mundo muitas vezes transcende a busca por uma única direção. Assim, ‘Apenas o hesitar’ se revela como uma exploração profunda e enriquecedora, convidando-nos a abraçar a multiplicidade de possibilidades que nos rodeiam”, define a curadora Ana Roman.

Obra da exposição Apenas o Hesitar, de Danielle Cukierman
Obra da exposição Apenas o Hesitar, de Danielle Cukierman

E na Philos você lê com exclusividade o texto curatorial e dá uma olhada em algumas obras da exposição:

Apenas o Hesitar, por Ana Roman

Nas Olimpíadas de 2005, a russa Yelena Isinbayeva quebra, pela primeira vez – e duas vezes no mesmo dia –, o recorde da modalidade salto com vara para mulheres. No vídeo que registra aquele nada excepcional dia de julho, é possível ver o olhar da atleta mirando atentamente para o obstáculo que está a sua frente, respirando, e tomando sua mais importante decisão: saltar. Isinbayeva corre, apoia a vara e seu corpo se contorce rumo aos 5 metros de altura. O rosto da atleta guarda extrema concentração e aparente serenidade. Quantas vezes ela imaginou, projetou e treinou aqueles movimentos? Quantas outras ela pensou desistir diante das dificuldades, foi habitada por um medo paralisante e hesitou antes de correr? Em Apenas o hesitar, a artista Danielle Cukierman nos propõe mirarmos para estes segundos antes da tomada de decisão e habitarmos, de maneira consciente, a suspensão, a incerteza e a irresolução.

Nos trabalhos em pintura contidos na mostra, planos horizontais e verticais constituem caminhos sobre os quais um corpo feminino levita: a figura é representada no exato momento do salto, onde há apenas a incerteza. Dentre massa de tinta e cores complementares, Cukierman faz uma ode às possibilidades infinitas contidas no destino de todos os seres que habitam o planeta:

Não há um só ponto de entrada para o olhar: somos inundados por cores opostas e complementares que reconstroem um imaginário de elementos quase circenses e à infância. Nesta fase da vida, importantes elementos de nossa subjetividade são constituídos e o hesitar – acompanhado por complexas relações de causalidade – é aprendido. Talvez para nós, mulheres, este sentimento marque ainda mais nossa experiência: será que fomos desencorajadas a construir castelos de cartas maiores que nós mesmas ou a desistir de nossa ida ao espaço sideral? O hesitar passa a constituir a base a partir da qual projetamos quem queremos ser. Seria possível subvertê-lo e torná-lo impulso para salto?

A mostra é composta ainda por uma grande instalação de cortinas plásticas, comumente utilizadas em câmaras frias e outros espaços industriais. Ao emitir frequências de onda diferentes, as cores têm funções: podem ser proteção térmica ou física. A cortina de PVC divide o espaço em dois e, ao receber a luz que adentra a sala expositiva, tinge-o: o espectador experimenta seu peso com o próprio corpo. Danielle Cukierman tem uma longa trajetória investigando signos ligados à prevenção de incêndios, às rotas de fuga e a busca por ressignificar materiais industriais e de sinalização urbana em seus trabalhos. Neste contexto, o material plástico parece materializar espacialmente as grossas camadas de tinta presentes nas pinturas, e que servem de metáfora para os múltiplos caminhos que podem ser seguidos.

Em Apenas o hesitar, há uma relação direta com o Realismo Fantástico – ou melhor, com o Realismo Maravilhoso de autores latino-americanos. Segredo, sonho e realidade convivem em um mesmo universo, que se abre à especulação. Apesar de investigar a matéria pré-fabricada, Cukierman é uma artista que tem a ficção como ponto de partida em todos os seus trabalhos. Apenas o hesitar é um convite para estender o tempo de suspensão, colocar o corpo para fora de jogo (quando necessário) e para narrar ficções sobre nós mesmas. O mais importante do salto não é o momento da chegada no solo, mas os momentos nos quais estamos no ar preparando nossa chegada.

Danielle Cukierman (1980, Juiz de Fora, MG – vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ), é conhecida por explorar materiais não convencionais em sua produção artística. Utilizando tanto matérias-primas industriais quanto objetos descartados de pouco valor econômico ou utilitário, a artista cria pinturas, bordados, tapeçarias e instalações que exploram a ideia de percurso. Em trabalhos anteriores, a artista já utilizou códigos para transportar o espectador a outro “lugar” por meio de um atalho acessado pela câmera do celular. A relação com o chão e o caráter háptico também são elementos importantes dentro de sua pesquisa e podem ser vistos no resultado final de todas as suas obras. Nos trabalhos mais recentes de Danielle, como na exposição individual “Rota de Fuga” (2019 – na Villa Aymoré, Rio de Janeiro), e como “Do Write (right) to me”, em NYC, “Intertwined” (Consulado Brasileiro – NYC, EUA), “Abre Alas” (A Gentil Carioca, Rio de Janeiro), “Novíssimos” (Centro Cultural Ibeu, Rio de Janeiro), e na Bienal Internacional da Cerveira (Portugal), a artista convida o espectador a refletir sobre o conceito de um caminho seguro ou uma rota de fuga para lidar com os desafios contemporâneos.

Obra da exposição Apenas o Hesitar, de Danielle Cukierman

Ana Roman vive e trabalha em São Paulo, SP. É mestre em Geografia pela FFLCH-USP. Foi curadora, curadora assistente e pesquisadora em diversas mostras realizadas em instituições culturais do país, entre elas ‘Rever_augusto de campos’ (2016), ‘Entre Construção e Apropriação: Antonio Dias, Geraldo de Barros e Rubens Gerchman nos anos 1960’ (2018), ’Black Stream’, de Alice Shintani (2019), entre outros. Organizou as duas edições do curso “Exposições de arte: curadoria, mediação e produção”, na Casa Plana, em 2017 e 2018. Foi curadora assistente da 34a Bienal de Arte de São Paulo (2021) e membro do Comitê de Indicação do Prêmio PIPA 2022. Atualmente é coordenadora de conteúdo do grupo de pesquisa Academia de Curadoria e contribui regularmente para a plataforma Piscina.


Construído em meados de 1950, o Edifício Vera está localizado no centro de São Paulo. Tradicionalmente, a região sempre concentrou escritórios e instituições financeiras, mas com a reconfiguração da cidade e após ter alguns ambientes restaurados, o local passou a abrigar espaços artísticos e culturais, como biblioteca, ateliês e salas de exposições. Com foco em diferentes linguagens, o Vera abre espaço para a arte contemporânea produzida em programas de residência e por artistas que se interessam em pensar sobre a cidade e a região, que vem ganhando reconhecimento por ser um polo nacional dedicado às artes. No dia da abertura da mostra “Apenas o Hesitar”, outras exposições e lançamentos de livros acontecerão no Edifício Vera.


Serviço: Exposição Apenas o Hesitar – Danielle Cukierman, com curadoria de Ana Roman. Abertura dia 2 de setembro de 2023 (sábado), das 11h às 17h no Edifício Vera – Rua Álvares Penteado, 87, 5° andar, São Paulo (SP). Entrada gratuita.

Publicado por:Philos

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