Criadas em um processo de acumulação de vários materiais sobre a tela – como reboco, pedra e cal encontrados no próprio ateliê, um galpão na região portuária do Rio de Janeiro –, e depois escavados pelo artista, as pinturas de Dudu Garcia, discutem a relação entre tempo e matéria, e inauguram a sua primeira individual na Anita Schwartz Galeria de Arte.

A exposição “Tempo-Matéria”que acontece no próximo dia 15 de março de 2023, tem 14 pinturas inéditas do artista carioca. Os trabalhos são da série RA 143, de 2023, nome que faz referência ao endereço do ateliê do artista, na Avenida Rodrigues Alves, zona portuária do Rio de Janeiro.

“Os materiais que uso estão disponíveis ali. São pedras, cal, reboco, limo. Assim como a indústria trabalha com códigos de referência de produtos, e os astrônomos igualmente classificam assim os astros, gosto de usar esta nomenclatura, pois a obra diz respeito ao lugar e ao tempo em que foi produzida. E ao tempo contido na matéria-prima”, diz Dudu Garcia. “Acho interessante a arte caminhar em paralelo às ciências exatas. Hoje com as descobertas espaciais recentes vemos que o mundo físico cada vez se aproxima mais do metafísico. Acho que a arte tem um papel importante nessa discussão”. Ele acrescenta: “O acaso é meu sócio no trabalho”.

Em seu processo de criação, em que os diversos materiais são aplicados em camadas sucessivas, e depois escavados, como em um sítio arqueológico, há considerável esforço físico do artista, em um trabalho corporal intrínseco. As pinturas de Dudu Garcia ficam na fronteira do ato escultórico. “Esses trabalhos sofrem muita ação minha na sua execução. Possuem fendas, fissuras, são peles castigadas. Diria que parte do processo é uma action painting, com muita entrega de corpo e alma, muitas decisões e renúncias”, comenta.

A matéria e a passagem do tempo são assuntos de interessedo artista desde que começou a participar do circuito de arte, no início dos anos 2000. Embora sempre tenha desenhado, e a pintura tenha permeado suas atividades profissionais, Dudu Garcia passou a se dedicar à arte depois de uma bem-sucedida trajetória profissional na indústria da moda e em sound design. Na ruptura com o universo já trilhado e o mergulho no desconhecido, ele foi o primeiro artista a ocupar a antiga Fábrica Bhering, em 2005, onde permaneceu até se transferir para o galpão na Rodrigues Alves, em 2019. 

“Não busco retratar uma imagem. Gosto que o trabalho tenha muitas camadas possíveis de percepção. Quanto mais aberto melhor. Há várias questões presentes, e cada um vai buscar as respostas que quiser. Falo de matéria, de pintura, de composição. Tento colocar mil anos em um sopro, um instante”, diz Dudu Garcia.

São vários os materiais empregados: pigmentos naturais, materiais orgânicos e petróleo, que ele passou a usar como tinta em 2004, como comentário à necessidade de preservação do meio ambiente. As placas de linóleo, material usado em gravuras, técnica a que Dudu Garcia também se dedicou, também estão presentes em várias obras da exposição.

Abaixo, apresentamos com exclusividade o texto curatorial da gerente artística e crítica, Bianca Bernardo:

“Por uma só fresta entra toda a vida que o sol empresta”, Alice Ruiz

Em sua primeira individual na Anita Schwartz Galeria de Arte, o artista Dudu Garcia apresenta um conjunto de 14 pinturas inéditas que desdobram sua pesquisa sobre a temporalidade da pintura como um corpo em movimento no mundo.

A condição mundana de sua pintura poderia ser associada, em um primeiro momento, às peles urbanas que encontramos nos muros das cidades ou em paredes de casas abandonadas. Contudo, ao olharmos com mais atenção para a plasticidade de suas obras, percebemos que as pinturas não representam fragmentos de paisagens urbanas, mas, se posicionam entre o campo do visível e do invisível, entre a experiência visual e sensorial da pintura.

A proposição da arte como ato de invenção provoca diálogos entre paradigmas e rupturas e na pesquisa do artista, monumentos de sensações são erguidos para afirmar, através da passagem do tempo, a importância da memória e do entendimento da ruína como elemento irreversível do mundo.

Dudu Garcia começou sua trajetória artística há mais de vinte anos, orientado pelo desejo de encontrar um modo de expressão através da pintura que questionasse a ideia de tempo linear e instaurasse modos de fazer relacionados ao tempo cíclico. Em suas obras, o passado está à nossa frente; o que vemos são os registros, como vestígios, de camadas sucessivas de sobreposições, sulcos, rasgos, fissuras e costuras. Dudu Garcia não se contenta com a superfície da pintura. A força do seu processo artístico descansa no impulso e no descontentamento da normalidade das coisas, e sua ação de escavar a tela, como se fosse um arqueólogo, é a busca por uma profundidade no solo da criação.

Dudu Garcia é ativo no circuito artístico, com exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior, e em 2022 participou das coletivas “Planícies Ressonantes”, junto com Daniel Mattar, na Brisa Galeria, em Lisboa; na ESTE ART, em Punta del Este, Uruguai; e na Galeria Reginart Collections, Suíça. Tem obras nas coleções BGA –Brazil Golden Art, São Paulo; Rosário e Paulo Pimenta, Porto, Portugal; Roberto Paz, Nova York, EUA; Edgard Moura Brasil, Paris; Francesco Clemente, Nova York, EUA; e Coleção Gilberto Chateaubriand.

Publicado por:Philos

A revista das latinidades

O que você achou dessa leitura?