transversais das ruas que sobem

Sentemo-nos ao redor deste ar falante
não sem os agnósticos prognósticos
da realidade futura iminente
vejamos a sinfonia da conversa
o balé em pontas dos bitaites
e enquanto eles se dispersam na monotonia
rasuremos já nós da memória corporal
a vontade em arrepiar caminho
das deduções feitas da filantropia
como é bela a inadvertência dos movimentos
do encosto arquitetónico de ombro
da rua que a subir permite
que a gravidade da situação se mantenha
em secretismo perante o descoberto
de um vento que livre leva no levante
vozes em exaltação e queixume
a vida em suor e gargalhadas
e a razão do vício no seu perfume

Ilustrações de Kátia Bandeira de Mello.

o bom rebelde

Transpiração a escorrer em barda
gotas espontâneas que se formam
a salgar ardentemente a pele
que sendo vítreas aos olhos
demoram-se mais quando percorrem
a melodia da alegria
por isso corre mostrando esse sorriso
dança com a força da luz
faz teu o que o teu corpo produz
grita como se o uivo fosse
a mais perfeita cobardia
sente no movimento a entropia
de viver em plena cinética euforia
sem acanhamento
só rebeldia
assume o tempo como movimento
diz com os olhos o que já
as lágrimas da pele pretendiam
quando inocentes se mostravam e caíam
nos intervalos do espernear
durante a tentativa de agarrar
essa vida que não pára de chegar
o batimento que não quer abrandar
mas cuidado feliz vivente
o que não pára não é permanente
sossega a rebeldia antes do fim
pois vais precisar dela
quando a pele já não chorar
e a cápsula do tempo for
um rasto que ficou enclausurado
nas memórias do mundo

Ilustrações de Kátia Bandeira de Mello.

saber desaparecer

Deixo-me continuar como
fumo que se vai no ar
e a verdade é que
sinto que o fumo tem mais propósito
tem mais caminho
sabe desaparecer
mas o tempo só pára
para quem não dele precisa
e o vento só eleva
quem mais leve se deixa subir
e eu que apenas prossigo
talvez em busca de uma sóbria demência
falho em ambas as tarefas
apenas usando o ar e o tempo
como ferramentas de sobrevivência


Despachando já o asséptico, tenho 30 anos e trabalho como Cardiopneumologista. Assino como Gonçalo Ribeiro que é o nome que me deram. O que sou é informal e elástico, mas na prática sou de peninsular origem e espírito. Com isto quero dizer que a terra sólida me perfaz tanto como o mar. E claro, que sou português. Busco na escrita a beleza da imperfeição e o risco que é tentar perceber-me e perceber os outros. Não tenho forma, ainda, de entender as certezas e os rótulos. Mas ainda bem, prefiro assim.

As ilustrações que acompanham os poemas são da artista Kátia Bandeira de Mello.

Publicado por:Philos

A revista das latinidades

O que você achou dessa leitura?