Eu disse a ela que era um tipo de Sir, herdeiro de um lorde inglês, dono de terras africanas e das Ilhas Malvinas. Ela sorriu, me disse que era filha de um padeiro e de uma costureira, era dona de um gato e herdaria um Santana. Eu disse a ela que era fluente em três idiomas, investia na Bolsa de Valores e jogava pôquer aos fins de semana com diplomatas europeus. Ela me disse que sabia cantar “Parabéns pra Você” em inglês, tinha dez reais em uma lata vazia de Neston e, nos fins de semana, jogava dominó com os avós. Eu disse a ela que meu país favorito era a Austrália, odiava filas de check-in, e torcia pelo Real Madrid. Ela me disse que adorava Juazeiro, odiava as filas do restaurante popular, e era torcedora fanática do Sport. Eu disse a ela que não acreditava em Deus. Ela me disse que era devota de Padre Cícero. Eu disse a ela que meu escritor favorito era Kafka. Ela me disse que gostava do cara que escreveu o Novo Testamento. Eu disse a ela que precisava ir embora, estava atrasado para a festa do Prefeito. Ela me disse que iria esperar um pouco mais, o ônibus sempre atrasava, e que, se não fosse abusar, eu falasse ao Prefeito para colocar mais ônibus do centro ao Trapiche. Eu disse “adeus”. Ela disse “que Deus te guie!”. Ela era como eu, porém, sem mentiras.


Francisco Carvalho (Maceió, 1988). Escritor e professor de história, graduando-se pela Universidade Federal de Alagoas.

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