“…a imagem latente constitui para a fotografia a porta para a sua dimensão mágica: trata-se nem mais nem menos do primeiro estágio do contacto físico que a realidade e a sua representação estabelecem.”

Não é incomum, ao perguntarmos a diversos fotógrafos o que os fez enveredar pela fotografia, obtermos uma mesma resposta: caíram de amores no momento exato em que, pupilas dilatadas pela escuridão, sob uma luz ténue e vermelha, testemunharam a lenta APARIÇÃO, sobre o branco imaculado de uma folha de papel, de uma fotografia anteriormente tirada. E nós encontramo-nos entre as fileiras destes apaixonados.
Só que, apesar de todos sabermos apontar o momento exato em que a paixão nos queimou, por vezes não nos apercebemos que o laço amoroso foi lançado já no momento em que tirámos a fotografia, e que se foi apertando cada vez mais na ESPERA. A REVELAÇÃO da imagem constitui apenas o momento da consumação, de algo cuja génese vem de antes.
Aquilo que temos, de uma ponta à outra do processo, que nos prende e escraviza é a imagem LATENTE. Ela existe nos sais de prata pela ação da luz sobre a superfície, mas é invisível, está escondida, é PARADOXAL.
Este período de tempo, definido na espera, faz-nos andar no fio da navalha, entre a certeza racional da ciência, da física e da química, e a incerteza da ESPERANÇA.
A presença da imagem latente é ainda responsável pela criação de uma MEMÓRIA orgânica, que da EMANAÇÃO do real cristalizada na matéria fotossensível, cria uma série de ficções que são independentes da imagem que poderá, eventualmente, aparecer. Produzimos uma imagem ILUSÓRIA e temporária, que pode ser tão ou mais importante, ou imponente, que a fotografia efetiva.
Para nós, esta memória faz tanto parte da nossa obra quanto todas as imagens que não corresponderam à expectativa criada no seu estado de latência. É que o tal momento em que a imagem se materializa, nem sempre corresponde a um final feliz, e muitas (a maior parte) são as imagens que depois de aparecerem, ganham o seu lugar algures no fundo de um arquivo. Mas atenção, este arquivo existe, presente e contínuo desde que começamos a fotografar porque a experiência por que passamos ao criar as imagens nos impede de as deitar fora, como facilmente o faríamos com um simples clique sobre o ícone de um caixote do lixo quando se trata de imagens digitais.
É assim que o TEMPO inscreve a sua importância neste processo. A “não-instantaneidade” recobre a fotografia analógica de um aspeto orgânico e humano, reforça a ideia da vivência consciente da experiência como fator relevante de criação: à medida que repetimos (revivemos) todo este processo, começamos a apelar à partida ao gozo da espera. Obtemos um prazer na expectativa que supera todas as desilusões. E se isto pode constituir para alguns um vício, para nós é um prazer que gozamos com cada vez mais parcimónia, saboreando cada momento, alargando o processo se possível, até chegar a altura de operarmos a MAGIA de fazer aparecer uma imagem.


A Imagerie – Casa de Imagens, criada em Lisboa em 2008 por Magda Fernandes (Porto, Portugal, 1981)  e José Domingos (Paris, França, 1974), é uma estrutura que desenvolve as suas atividades no âmbito da fotografia, funcionando como plataforma de criação e investigação, e como espaço de aprendizagem e de partilha de conhecimento. O coletivo explora as possibilidades técnicas, conceitos e artísticas da fotografia analógica e dos processos fotográficos alternativos na produção visual contemporânea.

Joan Fontcuberta, in “A Câmera de Pandora – A Fotografi@ depois da Fotografia”, p. 39, Editorial Gustavo Gili, 2010
Publicado por:Philos

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