A etnografia dos índios Araweté
Durante os anos de 1981 e 1983, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro conviveu com os indígenas Araweté, povo de língua tupi-guarani que habita a região da bacia da Terra Indígena Igarapé Ipixuna, no Médio Xingu. As fotografias foram registradas durante sua pesquisa etnográfica sobre esta comunidade indígena que convive com o maior, mais impactante e etnocida complexo hidrelétrico brasileiro, a barragem de Belo Monte.
Para Eduardo “Estas imagens pertencem a minha primeira estadia na região. Os Araweté estavam então diminuídos em número, após seu “contato” com a chamada sociedade envolvente”. Em 1976, uma catástrofe que reduziu, por força de epidemias de origem “branca”, sua população original de cerca de 350 pessoas, dispersas em várias aldeias na margem direita do Xingu, a uma só aldeia de 135 pessoas em 1981. Hoje eles são cerca de 400, divididos em seis aldeias.
As fotos apresentadas nessa sessão de Artes Visuais apesar de fazerem parte de sua pesquisa, não foram utilizadas pelo autor como instrumento etnográfico. Segundo ele: “Não sou praticante do que se chama hoje de antropologia visual. Ao contrário, as fotos se dispõem, por assim dizer, à parte da pesquisa; foram feitas naquelas horas em que eu largava do pé das pessoas com minhas perguntas, gravações e anotações irritantes e parava para olhar o mundo ao redor. Elas registram o miúdo da vida, os trabalhos e os dias de um povo cuja beleza, delicadeza e alegria só faziam aumentar o contraste com sua grande austeridade material e com a ausência daquela teatralidade que caracteriza a cultura de outros povos amazônicos, onde abundam a plumária suntuosa, a decoração corporal meticulosa, o cerimonialismo espetacular e a elaborada etiqueta interpessoal”.
As imagens escolhidas e aqui apresentadas pela curadoria de Miguel Rio Branco, cobrem a paleta de ambientes e momentos recorrentes na vida dos araweté – a aldeia e a floresta, o rio e a roça, a caça e a pesca, a fabricação de seus poucos mas belos, eficazes e suficientes utensílios, a intensa intimidade corporal entre as pessoas, a discreta elegância dos pequenos gestos, a centralidade do xamanismo como modo de comunicação com os deuses e os mortos.
Sobre o trabalho, Eduardo rememora o contato dos indígenas com a sua fotografia: “A primeira vez que os Araweté me pediram para ver uma foto colorida que eu trouxera de uma viagem anterior, em lugar da série em preto e branco que eu estava mostrando, disseram: – Queremos ver uma foto vermelha”.
Percebe-se nas fotos essa onipresença do vermelho, esse vermelho do urucum aplicado nos corpos, nos objetos, nas roupas tradicionais femininas, o vermelho que marca tudo que é araweté e que lhes deu seu nome – kuben-kamrek-ti, “os inimigos muito vermelhos” – entre os Xikrin, seus vizinhos de língua jê. O vermelho – a cor da cor, sob a qual servem de fundo o verde da mata, o branco da palha seca, o marrom-cinzento do barro e da terra, o negro da água e das pedras do Ipixuna. Ainda sobre esse povo, anseia Eduardo: “Só me resta esperar que os Araweté consigam, apesar dos brancos, de seus cimentos e de seus metais, de sua estupidez e de sua cupidez, continuar livres, vermelhos e felizes”.
Um comentário sobre ldquo;O vermelho etnobrasiliense de Eduardo Viveiros de Castro, por Souza Pereira”