Idealizado e produzido durante a pandemia pela artista Gabriela Noujaim, o livro-experiência “Latinamerica 2020” é composto por serigrafias em diversos suportes – com imagens visíveis e “ocultas”, em tinta ultravioleta e só reveladas com luz negra –, um vídeo (em pendrive) e textos realizados por mulheres que relataram suas experiências durante o período da pandemia em 2020.
A obra foi iniciada por Gabriela Noujaim em abril de 2020, durante seu isolamento social, quando criou a série de serigrafias com o mapa da América Latina sobre máscaras cirúrgicas – “Cov19 Latinamerica” – que foram enviadas para profissionais da saúde e para mulheres de diversas regiões e áreas de atuação.
Para além da proteção ao vírus, as serigrafias sobre as máscaras buscavam uma proposição de romper o silêncio camuflado nas fissuras estampadas de vermelho das veias abertas e dilatadas da América Latina. Ao mesmo tempo, reforçava a ideia de formas de silenciamento dos corpos, principalmente das mulheres em nossa sociedade.
Como parte do trabalho, as mulheres, em seu ambiente de trabalho, faziam selfies com a máscara, e enviavam a foto para a artista. Seus retratos integram o vídeo, e ilustram sete relatos, sobre suas experiências durante a pandemia. Sobre o processo, ela nos conta:
O impacto da pandemia nas mulheres se tornou algo latente, revelando questões extremamente urgentes na América Latina, como as condições precárias de trabalhos informais – cuidadoras e empregadas domésticas, por exemplo – além do aumento da violência contra a mulher, e ainda os casos de mortes pelo vírus entre as indígenas. Segundo dados do TJRJ, houve aumento de mais de 50% no número de denúncias de violência doméstica desde que o isolamento começou.
As oito serigrafias sobre papel contêm também uma imagem criada pela artista com tinta ultravioleta, só visível com luz negra. A serigrafia “Heroína” (2020) é feita sobre espelho, permitindo uma dupla imagem ao ser vista: a criada pela artista, e o rosto do espectador. E o vídeo “Mulheres Latinamerica 2020” (3′ 33″), que integra, em um pendrive, a caixa-experiência de Gabriela Noujaim.
Nesses tempos de reinvenções diárias, no sentido de reexistir, Gabriela Noujaim cria formas inusitadas de questionar o estabelecido, abrindo diálogos para uma interação. Uma performance do objeto-máscara no campo das experimentações com o outro, que passa a ser de alguma forma parte da obra da artista no ato de vestir a máscara registrado pelos destinatários, nos apresenta estratégias de coletividades humanas e enfatiza um estado de atenção para as questões sociais e humanitárias.
Diante de tentativas de encontrar formas de se estar num mundo marcado por diferenças sociais abismais, principalmente, no contexto de pandemia, ‘Latinamerica’ busca fazer um alerta à nova forma de se estar em um território em suspensão, onde as fronteiras físicas e sociais, em especial nos países latino-americanos, se tornam mais evidentes.
O vídeo é marcado pelo som da batida de um coração. A uma certa altura, a silhueta da artista aparece de forma fantasmagórica sobre a região da América Latina no mapa-múndi, seguindo com a projeção de uma radiografia de pulmão sobre seu corpo e o áudio de sua respiração. O som da música funde-se ao batimento cardíaco, apresentando os rostos das mulheres que estão lutando pela sobrevivência, trazendo suas marcas de “alma” estampadas nas máscaras cirúrgicas, formando um só corpo. Uma maneira de chamar a atenção para um vírus silencioso, que ninguém vê, e que é negligenciado por muitos chefes de Estado, o que agrava a situação da pandemia, principalmente em países marcados por desiguais sociais, como o Brasil.
A exposição terá espaço na Galeria Simone Cadinelli Arte Contemporânea entre 14 de julho e 27 de agosto, e todos os trabalhos estarão expostos em um espaço dedicado à artista dentro da exposição “Modo Contínuo”.
Gabriela Noujaim nasceu em 1983, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha. A artista tem estruturado sua poética tensionando as noções de permanência e risco, como a defesa sobre a violação aos corpos, as crises políticas e desastres ambientais. Formada em gravura na Escola de Belas Artes, UFRJ, em 2007, Gabriela, se insere em uma tradição de exploração dos limites e possibilidades da gravura, com nomes como Fayga Ostrower, Anna Letycia, Anna Maria Maiolino, Anna Bella Geiger e Leya Mira Brander. Em 2020, participou da ARTFEM – Women Artists 2nd International Biennial of Macau, na China; da exposição Feminist Art Fest na OCAD University, Canadá; e da residência artística Capacete, no Rio de Janeiro. Em 2019, participou das exposições “O Ovo e a Galinha” (coletiva) e da individual “Maracá” no anexo da galeria Simone Cadinelli Arte Contemporânea, também no Rio de Janeiro. Recebeu menção honrosa no festival de videoarte “Lumen EX”, na Espanha; foi finalista do 3M Love Songs Festival no Instituto Tomie Ohtake (2014); recebeu o prêmio de aquisição da 39ª exposição de Arte Contemporânea de Santo André, SP (2011) e foi indicada ao Prêmio PIPA (2012). Possui obras nas coleções: Museu de Arte do Rio; Instituto Ibero-Americano, Berlim; Centro Cultural São Paulo; Museu de Arte Digital, Valência; Palácio de Las Artes Belgrano, Buenos Aires; Casa da Cultura da América Latina (CAL/UnB).