Poeticamente, como poeta que sou, parodio Pompeu, Petrarca e Pessoa, em pura aliteração, para subverter — ou intensificar?! — o sentido mais comum da palavra, aquele cotidiano de padaria café e pão, para destacar o que ela possui de negro, sua negritude em si, palavra que é negra.
Se ao negritarmos uma palavra queremos destacá-la pela intensificação do negro de sua tinta no papel, aqui o destaque é à própria cor negra feita em palavra, às palavras negras em si — e não palavras outras tornadas negras, intensificadas por um verniz qualquer.
É preciso destacar, ouvir, aplaudir, respeitar e incentivar as tantas palavras negras que ao longo de nossa história vêm sendo tão caladas, tão suprimidas, tão negligenciadas.
E que palavras negras! Consciente desse imperativo de lutar por e construir a igualdade também nas letras e nos diversos espaços simbólicos e concretos de nossa sociedade, a Philos traz a lume a presente edição especial dedicada à literatura negra contemporânea; e tenho o prazer de, como um de seus curadores, apresentar as palavras negras de Conceição Evaristo, Viviane Laprovita, Cuti, Alessandra Martins, Paulo Sabino e Ngongongo:
Começamos com as palavras na voz doce de Conceição Evaristo, em entrevista exclusiva para a Philos durante a FLIP 2017 e agora republicada. Conceição, em sua grandeza e lucidez, aponta e ilumina a falta de representatividade e valorização negra (e feminina, homoafetiva — na sua brilhante definição — e indígena) na literatura contemporânea e afirma a centralidade de sua condição de mulher negra na sociedade como pedra angular de sua escrita. Vai além: pleiteia e proclama o espaço ao qual negros e negras (e homoafetivos; e indígenas) fazem jus e a validade de suas experiências e criações a partir de suas experiências de vida. E mais além, Conceição nos indica autores (como Cuti) e principalmente autoras negras para negritarmos nossas leituras.
E aqui temos duas poetas que trazem em seus versos a força, o orgulho negro e a centralidade de sua condição feminina de que nos fala Conceição: Viviane Laprovita e Alessandra Martins, ambas da região metropolitana do Rio de Janeiro, são exemplos de novas vozes afrofemininas brasileiras. Trazem, em poesia urbana e pulsante, o retrato da nossa desigualdade e racismo institucionalizados, contra os quais erguem em versos livres a consciência de seu valor, a potência de sua liberdade (inclusive para poetar sobre o que bem quiserem) e a força de sua ancestralidade.
Também as vozes masculinas prestam tributo ao feminino: Paulo Sabino nos apresenta poemas cuidadosamente trabalhados e nos brinda com um pequeno memorial afetivo de sua relação com a poesia de Conceição, uma das autoras que “não poderiam faltar” no sarau por ele produzido em outro mês da consciência negra. Das memórias de Paulo, emergem traços distintivos da literatura de Evaristo que também podem ser reconhecidas hoje na poesia de Viviane e Alessandra, como a valorização da memória.
E para encerrar essa minha curadoria, novamente justapostos o consagrado e o novo: Cuti, um dos nomes mais importantes da literatura negra contemporânea brasileira, com poemas ao mesmo tempo sofisticados e diretos, que nos revelam novas nuances a cada leitura e alargam os conteúdos e as formas da palavra negra; e Ngongongo, poeta angolano radicado em Lisboa, que nos traz uma dicção muito própria, temperada com o sopro dos mistérios d’África, pondo em evidência — circularmente — sua subjetividade como criador artístico, aquela a ser reconhecida e valorizada nas sábias palavras de Conceição. Negritemos!


Thássio Ferreira (Rio de Janeiro, 1982). É poeta e contista, autor do livro de poemas (DES)NU(DO) (Íbis Libris, 2016) e de contos publicados nas antologias Prêmio VIP de Literatura 2016 (A.R. Publisher, 2016) e “Entre Amigos” (Sinna, 2016). Recentemente, seu livro inédito de contos “Cartografias” foi um dos pré-selecionados ao Prêmio Sesc de Literatura 2017. Tem poemas e contos publicados em revistas diversas como Philos, Germina, Mallarmargens, Revista Semeadura e Avessa.

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