Bom dia, América!

Eu não sei ao certo se foi em gênesis ou se estava no site de notícias.
Não, este não é um poema engraçadinho e rápido para cumprir 140 caracteres
de pensamento instantâneo sobre o mundo e sobre o meu modo de fazer.
Não consigo achar graça dos que fazem graça.
Estou tentando fazer o meu café sem eletrônicos, mas um pássaro sinistro faz sons
estranhos na minha janela. Ligo o som fake de montanha e riacho.
Li que a máquina mais medonha do mundo será a que chegará ao talvez de tudo.
Talvez esfolem crianças ou talvez envenenem esse solo.
Tanto faz o talvez se nossos sangues não se misturam quando não somos iguais.
A guerra durará um século antes de abrirmos os olhos pela manhã.
Porque a situação é a seguinte: “eu confio tanto no outro como o outro em mim”.
Guardemos nossos tesouros com chaves, guardemos nossas histórias em segredo.
Guardemos nossos cofres, nossos risos cínicos, nossos tumores.
Guardemos nossas vigílias, nossos interesses, nossos amantes.
Guardemos nossas senhas, nossos demônios, nossos gritos noturnos.
Guardemos o terror, as carnes que tremem, todos os corações disparados.
Disparados!
A bala que te mata, de quem é?
Açúcar. Esqueci de comprar.

Pássaros benditos para meu funeral

Eu vou unir todos esses pássaros ao meu redor
os que bicam em minha cabeça, por favor, fiquem em silêncio:
vamos ouvir o que os pássaros têm a dizer sobre
as maquinações do tempo contra o afeto,
os pássaros vêm e pousam em meu casaco,
o casaco surrado dos dias de desemprego,
dos dias de desamparo,
dos dias sem poesia,
dos dias do feijão e arroz sem mistura.
Mas eles também vêm para comer algo na minha nuca,
algo que pássaros que bicam a sua cabeça não sabem o que é.

Seu corpo está cheio de alimento para os pássaros
que pousaram em seu casaco,
eles se aproximam e comem da sua nuca,
eles te dizem o quanto das suas velhas coisas,
jogadas no porão, valem as penas que carregam.

O amor, por exemplo, que doçura provar da boca do pássaro o alimento.

Aos que bicam minha cabeça:
façam silêncio!


Patrícia Porto é maranhense, professora universitária, formada em Letras e Mestre e Doutora em Políticas Públicas e Educação, organizou o livro Poemas de Portinari (Funarte), publicou a obra acadêmica Narrativas memorialísticas: por uma arte docente na escolarização da literatura (2010) e os livros de poesia Sobre pétalas e preces (2013), Diário de viagem para espantalhos e andarilhos (2014), Cabeça de Antígona (Ed. Reformatório, 2017) e Casa de boneca para elefantes (Ed. Patuá, 2019). Também é autora do volume de contos A Memória é um Peixe Fora D’Água (2018).

Publicado por:Philos

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