ME CHAMA DE GAY
pensando que tá
me humilhando
Pra que eu tome
um jeito de homem
Pra querer sujar
meu nome
quando me chama de gay
como quem vem debochando
olho nos teus olhos
com sorriso de que tô gostando
porque tô gostando
só tenho pena de você
assim se afirmando
ser chamado de gay
não me envergonha
me sinto mais humano
E fico forte, elegante
corajoso, bailarino
cozinheiro andarilho
feiticeiro trapezista
poeta mulher
flor sem nome
HISTÓRIAS DE HOMENS
Esse dizia que não dormia
Fechava os olhos
ouvia gritos
Na insônia
aparecia a visagem
duma menina.
Pega a lanterna, alumia
quando chegava mais perto
a criança avançava
Ele se levanta
acende uma vela, chora,
o sono vira fumaça
A noite se estica
parece que nunca passa
Quando chegou por aqui
só queria um lugar sossegado pra morar
um pedaço de terra boa pra plantar
Veio junto da mulher, dos dois filhos
Era do grupo das primeiras famílias
transferidas pro interior de Rondônia
Os destemidos pioneiros
fugindo da fome, da miséria medonha
buscando dinheiro
Cada um ganhava uma espingarda
óleo diesel, motor serra
faca amolada
Autorização pra ocupar
queimar, matar, sequestrar
Um dia o homem participou
de um grupo de homens
armados, e eles não tavam fardados não, tá
não precisava, eram brancos, civilizados,
com papel assinado e tudo
Teve até um culto abençoando
E os heróis partiram na expedição
Invadiram a aldeia
entraram na maloca
ali no canto tinha
aquela mulher que tremia
abraçava 3 crianças
Foi aí que o homem passou fogo em todos
Agora conta isso enquanto cospe
Depois agarrou pelo cabelo
e cortou a garganta
da criança que pensou
que ia conseguir fugir da morte
O nome desse homem vai ficar importante,
vai ser lembrado,
homenageado: vai batizar uma rua
e sua coragem vai ser tema de poema
vai virar aula na sala de uma escola
que tem o nome de um homem que
é filho de um outro homem mais importante
Esse matou muito mais que o pai do pai do
do homem que chegou antes.
Elizeu Braga (Tacoã, 1985). Nascido em Tacoã, na beira do Rio Madeira, Elizeu vive hoje em Porto Velho, onde é escutador de histórias, poeta, ator da Beradera Companhia de Teatro e agitador cultural da casa Arigóca, espaço de saraus , oficinas, livros, histórias e trocas de utopias. Publicou os livros Cantigas (2015) e Mormaços (2016), e em 2018 lançará Dando Nome aos Bois.