lista

reescrever o pássaro com o rastro dos meus gestos
untar de palavras as articulações dos signos
emprestar consciência ao desconforto
infligir memória à exatidão dos objetos
silenciar o vento com doses homeopáticas de corpo
conceder aos dentes o receio da mordida
ritualizar a fonte de tais desejos 
penetrar lento e deixar-se 
dilatando de presença
o cardume desgovernado das horas

***

Paraliso meu todo desgovernado na feição desse poema.
Compenetrado até o último segundo desse enredo sigo em silêncio e resignado, como
num sonho onde, semi-inconsciente, pode-se armar o absurdo, morrer de amor e
continuar vivendo.

Respiro nos nós que as palavras atam e me afogo nas águas profundas de uma
metafísica que não dilata, só estanca. O poema então se transforma em um manifesto
de contorno e se revolta ao perceber que virou prosa. Desejava ser urgente, preciso,
moderno, mas na minha perplexidade solitária, ao me perceber paralisado com o
mundo a conquistar diante da mesa, só o que tenciono é essa escrita auto-exorcista,
lamento rebuscado, ode à aspereza.

Corresse eu para a praia da infância, talvez encontrasse o que tanto procuro.

Mas a gente cresce
e desatina a se perder.


Jeronimo Bittencourt (São Paulo, Brasil, 1983) Poeta, bailarino e professor de parkour. Praticante de parkour desde 2004, começou seus estudos em dança em 2007 na intersecção entre dança, parkour, arquitetura e poesia. É o pioneiro na prática de Parkour com idosos no Brasil além de dançar em companhias como Perversos Polimorfos e GRUA. Realiza projetos autorais e faz preparação corporal para cias. de dança e teatro na cidade São Paulo. Em 2016 começou a ministrar as oficinas de movimento e escrita Poesia como procedimento para dança e Poesia sem fim – esta última também para idosos. Lançou o livro de poesias Procedimentos para Queda (Ed. Córrego 2017). Atualmente está criando seu novo solo de dança e poesia O Desonesto e coordenando o grupo de estudos e atos poéticos Contrafaccionistas.

Publicado por:Philos

A revista das latinidades