[…] Haja mar para tanto desconforto. Às vezes, para escrever, é mesmo preciso [des]inventar o tempo, para que sejamos nós a criar os cinemas de nossas vidas. E, assim quem sabe, com as palavras, escutar as entrelinhas. Afinal, só a essência interessa. E a essência é corpo.
—Maria Giulia Pinheiro no prefácio de caderno de exercício de memórias
Na mostra de poesia neolatina da semana apresentamos dois poemas de Valentina Paz Bascur Molina, de seu livro Caderno de Exercícios de Memórias, a ser lançado pela Casa Philos ao fim deste verão. As colagens que acompanham a obra são assinadas por Murillo Garcia. Leia abaixo “destino” e “chuva”:
destino
as mãos que cuidaram de você
foram sempre
mãos de mulheres.
foram muitas mãos.
quem ousou dizer
que você
foi uma mulher solteira,
querendo dizer,
na verdade,
que você foi
uma mulher sozinha?
isso tudo
me apavora
me entristece
não me enche de orgulho
porque
o cuidado
parece ser
o nosso destino inexorável.
destino
las manos que cuidaron de tí
fueron siempre
manos de mujeres.
fueron muchas manos.
¿quién se atreve a decir
que tú
fuiste una mujer soltera,
queriendo decir
en verdad,
que fuiste
una mujer sola?
todo eso
me aterra
me entristece
no me llena de orgullo
porque
el cuidado
parece ser
nuestro destino inexorable.
chuva
te ouço como ouço a chuva
despretensiosamente.
mas,
estou aqui
tentando sair da cama
a tua palavra ficou entalada
na minha garganta
e não consigo me levantar.
ela pesa sobre mim.
tento te ouvir como quem
ouve a chuva,
assim como as palavras que
caem e desaparecem no chão.
você parece tão razoável
e eu… tão, tão…
imatura, confusa.
não consigo pensar…
mas a tua palavra ainda está aqui
entalada na minha garganta.
—que horas vou conseguir sair da cama?
lluvia
te oigo como oigo la lluvia
sin pretenciones.
mas,
estoy aqui
intentando salir de la cama
tu palabra quedó enredada
en mi garganta
y no consigo levantarme.
ella pesa sobre mí.
intento oirte como quien
oye la lluvia,
así como las palabras que
caen y desaparecen en el suelo.
tú pareces tan razonable
y yo… tan, tan…
inmadura, confundida.
no consigo pensar…
tu palabra aún está aquí
enredada en mi garganta.
—¿a qué hora voy a conseguir salir de la cama?


Caderno de exercício de memórias segue em pré-venda na lojinha da Philos. Clique AQUI e compre o seu! A memória é imprecisa, e neste caderno, a autora recolhe poemas e imagens para conversar sobre a morte, o luto e a possibilidade constante do renascimento. Esta obra oferece uma homenagem àquilo tudo que já se foi, assim como um fóssil: um objeto que carrega os sedimentos do passado. Caderno de exercícios de memória contém poemas e prosas de Valentina Bascur, com colagens de Murillo Garcia e prefácio de Maria Giulia Pinheiro. CLIQUE E COMPRE O SEU!