iniciam-se os meses mais bonitos do céu
contamos nossos planos
para nós mesmos, rimos – venta muito, afinal
corremos para ver se apanhamos algo
derrubado no meio do caminho
“será isto?”, ouve-se enquanto pinçamos
a matéria encontrada pelo percurso
reviramos os bolsos a descobrir se é nosso
o que de frente se encara
mas seu avesso não nos revela
por onde escorrem os excessos
de nossas mãos atarefadas
por que, insistimos,
qualquer pessoa deixa cair
pela estrada justamente aquilo
e não outra coisa que lhe escapa?
liberdade, atrapalho, você chuta, eu não sei
conjectura-se mas a verdade é que não investigamos
a delimitação das bordas
da poça em que nos miramos
(contanto que se mantenha
a água na altura do chão
o chão nos pés do menino)
vizinho, confesso, com tudo isso me pego
tão séria que faço careta, estiro cansada
a língua ao que escorre destas montanhas, tanino
enchendo a taça vermelha da terra
mas a nuvem, a árvore
não me brindam mímica alguma
não há espelho que nos reflita, pequeninos, para cima
alguns dias tateamos como acordar
noutros saltitamos pela rua noturna
uma garrafa na mão do amigo ao lado
os cabelos voam e na manhã vindoura
a vida tão leve que quase estoura
lembramos de antes de seguir o destino parar
simplesmente parar
sob o letreiro abismo onde há escrito
nada, no qual sem franzir de testas repousa
o tempo
ah, é inevitável: virá setembro
a metade das coisas… vê-se no rosto
ruga nenhuma no azul de agosto
Lara Falcão [Recife, 1995]. Trabalho com direito, pesquiso em sociologia e brinco com o que falta. Publiquei Sem pegadas nem sede pela Castanha Mecânica, em 2022. Às vezes compartilho algum escrito em @falcaolara.