Duas e quinze
Saí de casa às duas e quinze da tarde;
O dia estava tomado pelo azul,
O azul dos amores de infância…
Nostálgico…
Nem percebi, ia ao mercado, alheia;
As vizinhas papeavam, alheias;
Os motoristas dirigiam, alheios;
O Sr. Souza passeava com seu doberman,
Alheios, os dois.
Talvez o mundo seja alheio.
Fiz minhas compras,
Laranjas,
Limões,
Temperos,
Ovos,
Brigadeiro.
Na fila do caixa, a banalidade de tudo me atingiu,
Como uma enxaqueca,
Martelando-me a cabeça.
As prateleiras me oprimiam;
Não! Não!
A organização me oprimia,
Esmagava-me como o pequeno cisco de poeira que sou.
Bem,
Se é para ser poeira,
Pelo menos somos poeira estelar,
Não é?
A organização me oprimia
Com suas bordas ásperas
E extremidades pontiagudas.
Eu quis pausar o mundo,
Não pude.
Desfiz-me de mim e percebi o infinito…
O caos, então, fitou-me do abismo
E sorriu, tênue e terno.
Eu recuei bruscamente,
Ferida pela suavidade de tudo.
Respirei fundo,
Tomei coragem
E contemplei a face do caos,
Como quem contempla um segredo.
Uma hiper consciência arrebatou-me;
Consciência do Eu,
Consciência do Tu,
Consciência do Mundo.
A suavidade me engoliu;
E a suavidade era caótica.
Tive um momento ímpar,
Peculiar,
Montei um eco do tempo,
Com a clareza correndo em minhas veias;
E sabia,
Simplesmente sabia
Os segredos do cosmo,
O macro e o micro.
Sorri de volta ao caos
Que, subitamente,
Fez-se em vórtice
E infiltrou-se em meus olhos opacos.
Pisquei!
A operadora do caixa chamou o próximo;
Senti-me semi-acordada,
Fui para casa.
As prateleiras continuavam organizadas,
O mundo continuava alheio,
A banalidade escorrendo das margens,
A clareza emaranhou-se,
Imergiu em uma confusão melancólica,
Mas estava ali;
Quase podia senti-la em cada pulsar do meu coração.
Olhei meus olhos no espelho, deixei a sacola de compras na mesa.
Eles continuavam opacos,
Sem vestígios de nada,
E o relógio marcava duas e quinze da tarde…
Larissa Reggiani Galbardi (Lupionópolis, Cafeara, 1991). Estudante de Letras.
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