AMA COMO A ESTRADA COMEÇA

bruxo,
me dê um arpão
e trague todo o mar, pois
hoje eu mudo de nome.

feiticeira,
me dá o que não se pode nomear,
pois hoje estou somente água descarnada de tinta e papel
e agora é a hora.

me dá tudo,
pois o destino está adentro
e a estrada não tarda.

a queimar, água-viva de caminhos, me inundo.

NO MEU ESTADO DE PERMANENTE FÚRIA

apaixonar-me
é canibalizar o abismo.

DEPOIS DA DOUTRINA DO CHOQUE

agora que os céus caem
agora que os demônios são meus olhos
agora que 16h20 é alta madrugada
agora que 666 é um número de crianças
agora que o céu cai
e que nada pode ficar
e que nada pode ficar
e que nada pode ficar

talvez você tenha que começar a correr

CAMPOS DE LUA

noite noturna
o vermelho é a única cor
o resto não tem gosto

e pode começar a correr
porque eu vou te carnar

vou te carnar
e te botar meu espartilho
de costelas emprestadas
avalanchar os demônios
que moram dentro das minhas
asas cortadas

vou te carnar
e te cheirar a sangue
pele pelo cigarro
te lanhar as tatuagens
corpo a corpo poro a poro
ponto a ponto

vou te carnar
até você existir
diante de mim

noite noturna
o vermelho é a única cor


Ana Rüsche (São Paulo, 1979). Publicou os livros de poesia Rasgada (Quinze & Trinta, São Paulo: 2005), traduzido e publicado no México (Ed. Limón Partido, Cidade do México, 2008, trad. Alberto Trejo e Alan Mills), Sarabanda (Selo Demônio Negro, São Paulo: 2007), que recebeu uma reedição pela Ed. Patuá (São Paulo, 2013), Nós que Adoramos um Documentário, ganhador do ProAC (Ed. Ourivesaria da Palavra, São Paulo: 2010) e Furiosa, edição comemorativa (ed. autora, 2016). Em prosa, publicou o romance Acordados (Ed. Amauta, Brasil: 2007), também premiado pelo PAC, Secretaria de Cultura de São Paulo e Do amor – o dia em que Rimbaud decidiu vender armas (Ed. Quelônio, 2018).

Publicado por:Philos

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