sete confissões capitais e outros pecados

Não há um pecado pior que o outro, todos são
iguais perante o corpo e o espírito. Escrevi esta frase
copiada de alguém, que já não lembro mais, só para
dizer que não concordo. Tenho aqui meus próprios
julgamentos sobre tudo o que faço e tudo que me
ronda.

O meu tribunal particular me diz (mesmo quando
investigo tudo com lupa, na frente do espelho e sem
a tentação de justificativa) que alguns dos meus
reprováveis hábitos são menos nocivos que outros.
Eles estão catalogados em três categorias móveis:
não provocam danos; provocam poucos danos;
provocam danos, sim.

Teimo em repeti-los. E eles me levam sempre ao
mesmo ponto de partida, que é um buraco qualquer
na minha alma ou um sofrimento muito particular e
tão profundo que nem mesmo chega a vincar ainda
mais as rugas do rosto. Na superfície se concentram
os pormenores mais frívolos.

Sou, como todo mundo é, uma mistura delicada
entre vícios e virtudes.
E tento, dia após dia, fazer com que um lado da
balança tenha mais força. Peço por isso em todas
as minhas rezas particulares, que acontecem
cotidianamente, nos exames noturnos da consciência.
Chega um tempo em que não é permitido esconder.

Para mim, este momento, juízo final, é cada vez que
o dia termina. Antes das novas morte e ressurreição,
penso sozinha, quarto escuro, sobre as opções que
fiz. Fazer isso sem as mentiras de estampa não
me absolve, mas me treina nessa eterna busca de
aperfeiçoamento do caráter.

Mesmo que isso signifique, todas as noites, descer
pelos infernos da consciência para entender, uma vez
mais, que pequei e pequei de novo o mesmo pecado,
ainda assim, a covardia moral de evitar este encontro
é vencida.

Meus piores vícios se debatem em fuga o tempo todo,
esforço-me para contê-los com garras firmes. Violência
dominada. Qualquer descuido, eles encontram brecha,
pulam para fora e pioram o mundo.

É preciso vigília constante. Mais. É preciso repressão,
traumas aos defeitos para que empalideçam a cada
dia, até a chegada de um tempo em que não tenham
força para compor nova música.

Todos os inéditos que me chegaram durante a escrita
deste livro – fotografia momentânea – reforçaram
minha ideia primeira a respeito de minhas falhas
morais: ninguém tem responsabilidade sobre elas.
As minhas ações, e suas consequências, me dizem
respeito, porque sou movida, apesar de todos os
ataques de paixão, pelo intelecto.

Não há responsabilidade que não a minha. Deus
não existe. O outro não é culpado. As escolhas são
minhas – e são elas minha essência – quia peccavi
nimis cogitatione verbo, et opere: mea culpa, mea
culpa, mea maxima culpa.

Por isso a tensão constante de ser, reconhecer, não
querer ser e, mesmo assim, acabar sendo.
É a luta permanente pela harmonia entre o deus e o
diabo que me habitam.


Adriana Sydor (Rio de Janeiro, Brasil). Colunista de música e comportamento político na Revista Ideias; editora da Travessa dos Editores; ministra oficinas e palestras sobre Música e Sala de Aula. Foi coordenadora de atualidades da Tecnologia Educacional – Positivo Informática e diretora das emissoras de rádio AM e FM e-Paraná. Publicou Coleção MPB para Crianças, Toda prosa, Salve o Compositor Popular e Sete confissões capitais e outros pecados. É uma das convidadas da Casa Philos na 16ª Flip.

Publicado por:Philos

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