clínica 2
Casa feia
Casa sombria
Casa vazia
Fecharam uma escola
Mataram as crianças
Abriram uma clínica
As salas de aula agora
São Espaço de Pensar
Espaço de Reflexão
Espaço de Saúde
Tudo cheira a defunto
Tudo é frio, impessoal
Mecânico e não faz sentido
Tem um valão a céu aberto
É o seu cérebro
Tem uma cova profunda
Corvos sobrevoam este habitat horrendo
Eu tenho medo dos fantasmas dessas crianças
Um medo paralisante e atordoador
A minha cabeça gira, feito um bêbado tentando equilibrar-me
Dói a incerteza da libertação desses espíritos infantis?
Ou será que dói vislumbrar a incapacidade de sentir a vida em toda a sua plenitude dentro de mim?
A gente endomingada e apoucada causa-me tédio
Então qual será o remédio?
Será talvez a noite e toda a sua frescura de neons, plumas e paetês?
Uma agonia travestida em glamour
Será um beijo na boca do rapaz que massageou meu corpo nu em troca de cinquenta Reais?
Uma humilhação travestida de virilidade
Os meus dedos estão cansados
Minhas mãos tremem
Estou trancado em um cubículo que chamam de quarto
Lá fora o som da TV me irrita
A minha visão é turva
De uma vida carcomida, capenga
Bate em mim um coração retalhado
Não por amores malfadados
Mas pela confusão mental que me causam esses espíritos infantis
Não sou esquizoide
Não sou depressivo
Não sou bipolar
Não sou agorafóbico
Sou atormentado por esses espíritos infantis
Aqui era uma escola
Derrubaram a escola
Só restam os espíritos das crianças
Se emporcalhando neste lodo imundo
Rafael Zveiter (Niterói, Rio de Janeiro, Brasil, 1979). Colaborador da Revista Philos, autor do livro de poemas Visceral (2012) e do romance Correspondências de um invisível (2017).