Vagueio no pensamento. Faço-me entre as árvores e as aves da infância. Observo-me ao longe e me vejo pescando distraído no pequeno riacho do sítio de meus avós. A meu lado, Luisinho, meu querido primo, companheiro de tantas arquiteturas. E amado, sobretudo. E nós, subidos, num pessegueiro. Inesperado momento em que o apoio nos falta. E a queda lá de cima. A sensação mais funda de não ter mais nada que nos sustenta. E, à noite, os vaga-lumes com sua luz fosforescente. Tudo aumentando o mistério de ser.
Só mais tarde, o silêncio me surpreende. Deitados no chão, meu primo e eu, confabulávamos, como dois velhos pequenos amigos, aqueles sustos que a vida nos dava, que vinham sem que esperássemos. E ríamos, sabendo que um dia tocaríamos aquela coisa difícil, arisca como os pássaros presos nas arapucas. A liberdade do voo. E quantas vezes meu pai nos dava algum dinheiro para soltá-los, os pobrezinhos.
No tempo ou no depois. Agora olhando sempre o moinho do tempo. Uma espiral de luz rodeia minha mente. Já noite adentro da noite. Meu corpo respirando. A fruição do sangue. Tudo já é ou teria sido ou será. Eu me sei corroído de tempo no agora. E ainda assim tenho um contorno sustentado por algumas vigas. Que logo, no tempo, serão vagas ruínas de uma vida radiante.
Edson Costa Duarte (Pratápolis, MG, 1967). Publiquei Diário de um P.M.D., Lírica impura III, Cartas para o Nunca e Lírica impura I e poemas, contos e ensaios em sites e em revistas impressas.