Reflexão sobre o livro “A história das coisas” de Annie Leonard
Partindo de um princípio quase deplorável, o livro traz a experiência vivenciada pelos “caminhos do lixo”. O lixo é, primeiramente, fruto de uma matéria prima que fora extraída, legal ou ilegalmente, da natureza e agora voltaria para ela em forma de dejeto não mais reutilizável nem sustentável a ela. Neste mar abundante de detrito, ordinariamente localizado em regiões periféricas, aquilo que “sobra ao porco” ainda é utilizado para alimentar pessoas. Essa última categoria, decorrente de um fator social possivelmente não escolhido por ela, é formada por um conglomerado de seres que apresentam duas pernas, dois braços, fisionomia distinta e, sobretudo, a característica racional, diferentemente dos porcos, citados anteriormente. A culpabilidade de tal fenômeno tem um nome: Capitalismo. Esse alimentador de porcos é denominado de Sistema. Sistema é toda a classe de elementos ou recursos organizada intelectualmente dentro de uma forma específica de raciocínio.
Trazendo o enfoque da crise ecológica presente no texto e evidenciada no globo terrestre, sobressai-se uma profunda crise antropológica, de onde o ser humano é retirado como primazia da existência. O sistema, corrompido e corrompedor de relações, tem como enfoque o indivíduo, como ser que necessita comprar e usar para sentir-se realizado. Estatelando-se na geometria de um círculo, a pessoa não dispõe de uma porta para fuga. É simplesmente engolida e abduzida, tendo sua felicidade conceituada simplesmente na comum comodidade do bem-estar. Ninguém é feliz se não souber impor limites diante de suas necessidades!
Ao decorrer dos anos, houve uma crescente mudança social, seja no âmbito relacional, tecnológico ou mesmo corporativo. O trabalho sempre fez parte da evolução histórica do homem, sendo um elemento básico para a construção do próprio. É ele que permite ao humano construir-se como ser social. Numa prospectiva histórica, advinda das revoluções industriais, desde o final do século XX e início do século XXI, este vem fazendo e sofrendo mutações, acarretando com que o trabalhador se depare com novas formas sociais, econômicas, políticas e principalmente de inserção. A substituição do braço pela máquina aumentou o desemprego e simultaneamente a pobreza.
Mas o enfoque principal dessa crise ecológica e antropológica é a emissão de resíduos e descartes feitos pelo homem à natureza. Trabalha-se para comprar; compra-se para consumir; consome para se jogar fora. Em seu livro, o francês Piketty afirma que “a desigualdade não é acidental, mas o traço é característico do capitalismo”. Para produzir um bem físico é necessária a extração ou decapitação de um bem natural. As saídas desta autodestruição ministrada pelo humano, infelizmente, são fragmentadas e vendidas pelos mesmos financiadores da assolação. Quem mais devasta a mata à fabricação de celulose, por exemplo, é o mesmo que financia campanhas de apoio e incentivo a preservação. Tudo gira em torno do mercado. Ou sendo mais específico, analogamente, se à indústria do remédio se aplicasse a equação X (equivalente a número mínimo para considerar uma pessoa portadora de diabetes) menos cinco – “X-5” – teríamos outras milhões de pessoas consideradas portadoras da doença que assola a tantos.
No texto, Annie Leonard explica que o mundo é limitado, e o ser humano, mesmo capacitado e livre a isso, não poderia sobressair determinado limite. O capitalismo, indutor a esse fenômeno é um monstro que se autoconsome; é um modelo insustentável, com um futuro sem longo prazo e limitador de culturas. Explica-se tal fato em dados, como exemplo, a exploração de petróleo, fonte de copiosa riqueza, estimada a acabar em cinquenta anos; o aquecimento global, provocado pela emissão de gases industriais, faz com que se derretam as calotas polares, aumentando o nível dos oceanos, podendo provocar eventuais inundações nas cidades litorâneas. O capital nunca teve uma estrutura ou fez-se sobre um princípio ético, pois isso é apenas uma teoria econômica e não uma filosofia ética ou social. Sua base é somente o consumo e o dinheiro. A salvação do planeta não passa nem sequer pelas margens dele.
A autora, criticando o uso incontrolável das Coisas que viriam posteriormente tornar-se lixo, explicita que, para a vida, também são necessárias as Coisas. Essas, porém, devem ser arquitetadas ao direito da pessoa em certo limite de necessidade. Nunca citou que se deveria viver pobre e necessitado, pois a necessidade não é nenhuma virtude. O próprio empobrecido que passa por ela não se preocupa em gloriá-la ou explicá-la, exceto em sair dela. Deve-se, além mais, ser prudentes para não cair no paradigma da fábrica, tendo a vida regulamentada e cronometrada pelo critério do trabalho, servindo ao mercado o dia todo e à noite descansar, para voltar a servir no outro dia.
Declarando, por fim, juntamente com o vídeo, o texto traz uma bela e verídica reflexão quanto à insustentabilidade do sistema na perspectiva ecológica, contrapondo os cérebros irreconhecíveis dos detentores do mercado que afirmam e apresentam o aquecimento da terra como uma simples falácia ou faceta. A ética, advindo de ethos (casa), é responsabilidade com o lar comum. A praxe consiste em sobrepor as necessidades com os frutos apoderados de uma prática limpa e ecológica, também solidária, driblando a existência dos caminhos do lixo. Produzir para consumir e consumir com a perspectiva de reproduzir sobre o mesmo material é reinventar o sistema, salvando-se a si e ao outro, para, com tal prática, mostrar que é possível engordar o porco e dividi-lo com cada um, em um princípio que, se econômico, seja solidário e alterno.
Gustavo Meneghini (Nova Prata, Rio Grande do Sul, 1998). Seminarista católico da Congregação Religiosa Josefinos de Murialdo, atualmente residindo em Brasília – DF, cursando o curso de Filosofia na UCB.