O homem é marcado por duas grandes questões: de onde viemos? E aonde vamos? Se quiser, é da essência do homem se perguntar isso. Afinal de contas, somos seres finitos e sabemos disso. Bem, a filosofia é o campo, por excelência, desses questionamentos. As respostas dadas pelos filósofos são inumeráveis. A busca pelo princípio fundamental, a busca que caracterizou o começo da filosofia com Tales é marcada por essas preocupações.
Passamos por várias tentativas. A mais forte, certamente, é Deus. Ela não convence mais. Deus é questão de fé. Estamos na pós-modernidade. No mundo líquido. As únicas respostas possíveis são: não viemos de lugar algum; e vamos morrer, não vamos a lugar algum. A vida é um interlúdio entre dois nadas. Somos simplesmente seres jogados neste mundo. A vida não tem justificativa nem objetivo. Isso tem uma consequência muito pesada, e bonita, que Sartre nos apresentou: somos responsáveis por tudo. Se temos objetivos na vida, nós somos os únicos responsáveis por eles.
Outra consequência: somos destinados à morte. Isso amedronta. O objetivo da essência do homem é morrer. O amor é a grande resposta acalentadora possível para essas questões.
Amar é esquecer-se da morte. Amar é a mais potente arma que temos contra o medo, que nos é essencial. Se é do homem ser amedrontado, matar o medo só é possível com a morte do homem. O amor consegue neutralizar o medo. Trancá-lo em calabouço. Silenciá-lo.
Isso percebemos em todas as tentativas de definição do amor apresentadas durante a história do pensamento ocidental. O amor Eros é marcado pela falta. Se formos a Platão, percebemos que a finalidade do amor é juntar nossa vida finita ao infinito, à divindade. Ou seja, levar-nos ao esquecimento da morte. Se olharmos Eros posterior a Platão, a equivalência do amor à falta, como o amor cortês, o mito de Tristão e Isolda, os românticos, chegaremos à mesma conclusão. O amor é tão forte aqui que a morte é mais que esquecida, é menosprezada. Ela deixa de ser vista como um fim, para ocupar posição de caminho ao amor infinito. Como dissemos, a morte é vista como a barreira intransponível, a consolidação eterna do amor: um mero meio para se alcançar o infinito, mais uma vez. O amor philia é o que deixa isso mais explícito. É o amor que leva em consideração as afinidades, a presença, as similitudes. Ora, não se pode ser afim ou semelhante, enquanto vivo, de um morto. Philia pressupõe a presença viva do outro. Justamente para expandir até ele minha vida e, por meio dessa vida alargada, esquecer que sou finito.
O amor ágape segue a mesma lógica. Peguemos os dois mandamentos de Jesus: amar a Deus sobre todas as coisas é ligar-se à perfeição, à infinitude, à imortalidade. É viver à espera de uma vida infinita. É ver, como queria Santo Agostinho, a morte como mero meio, passagem, quase banal. O segundo mandamento, amar o próximo com a si mesmo segue a lógica do amor philia, mas ampliado. Não se devota mais a uma pessoa com que se assemelha. Se quiser, você se assemelha a todos por sermos filhos de Deus. Assim, você expande sua vida a toda a humanidade. Devotar-se ao próximo é esquecer-se do próprio medo da morte. É fugir de si mesmo.
Se ainda quiserem igualar o amor ao sexo, a ideia fica mais evidente. Podemos olhar pela perspectiva de que os filhos são a imortalidade dos pais, a possibilidade que os pais vêm de se manterem vivos. Visão fraca. Se olharmos para o ato sexual, o esquecimento fica claro: durante o ato, há completo esquecimento de tudo. Não é à toa que os franceses chamam o orgasmo de pequena morte. É no fim do sexo que o medo da morte volta arrebatador, impiedoso. Lembramos imediatamente que somos finitos, que aquilo acaba, que viver tem fim.
Amar é, portanto, colocar o outro como motivo de minha existência: vivo porque o amo. E, além disso, colocar o outro como razão: vivo para amá-lo. O raciocínio vale também para o amor-próprio e para o amor de si, como se vê em Rousseau. É impossível que me ame sem a aprovação do outro. O outro me faz ser outro para mim mesmo; vimos em Sartre.
Amar é, assim, apoteótico: tornamo-nos deuses, infinitos, imortais, no curto momento de amar.
Mas o amor não escraviza: ah, como seria bom se o fizesse. Somos livres do amor; ele vem, nos beija, e vai. No beijo, somos infindáveis; no depois, amedrontados. Se é verdade que o amor consegue nos livrar momentaneamente da morte, é mais verdade que sua ausência é marcada pela força inigualável daquele até então trancado em masmorra.
O amor é, em sua essência, um esquecimento da morte seguido pela lembrança inexorável. Amar é tentar fugir da morte para, depois, perceber que, na verdade, eu que a perseguia.
Se a morte é o sentido da vida, se a vida e a filosofia só existem por causa da morte, esquecê-la é esquecer-se da vida. No fim, amor é morte.
Alex Antônio Rosa Costa (Poços de Caldas, Minas Gerais, 1995). Autor de alguns textos em coletâneas e do coautor do livro de contos “Viajem sem conexão”.