O Diabo existe, atende pelo nome de Gusmão, tem 34 anos de idade humana, e trabalha no call-center de uma operadora de tevê a cabo. Ignore a parte do call-center, e, assim como eu, verá que o Diabo é um sujeito legal. Quando Deus desistiu do ser humano, Gusmão, que até então andava entediado pelo inferno, fez as trouxas e emergiu na terra como um pobre coitado obrigado a começar uma nova vida. Poucos meses depois de emergir, apaixonou-se por Alice. Fazendo uso de uma sinceridade pura e mordaz, Gusmão contou a Alice de seu passado infernal. Para sua surpresa, Alice não se importou. Vinha de relacionamentos com caras mais fodidos que o tal capiroto recém-chegado. Namoraram, fizeram planos, noivaram e casaram-se no civil um ano e meio depois do primeiro beijo. Gusmão e Alice não querem filhos. Moram numa casa pequena na parte alta de Maceió. Ela é professora de matemática em escola pública, e, como já foi dito, ele trabalha no call-center de uma operadora de tevê a cabo, mais precisamente no setor de cancelamento. Pai da mentira, como ficou popularmente conhecido, Gusmão é um funcionário exemplar em seu setor. Dia desses, na hora do almoço, me contou da sua vida, de como amava Alice, e da felicidade por finalmente estar num inferno onde a máxima “matar, roubar e destruir” é praticada por todos os homens. Na última vez que nos vimos, perguntei de Deus, rindo como o Diabo, Gusmão confidenciou: “Criou um mundo novo, onde os habitantes são os cães, gatos e capivaras. Agora passa os dias sorrindo, comendo fruta direto do pé, tomando banho pelado no novo Rio Amazonas”. Segundo ele, Deus andava estressado, puto da vida com o que fizemos com a criação dele. Agora, tanto Deus quanto o Diabo estão felizes. O criador num mundo de cães, gatos e capivaras. O destruidor, num mundo de cancelamentos que nunca são efetuados, e de uma humanidade que se autodestrói. “Bom dia, bem-vindo ao mundo net, sou seu, atendente Gusmão, com quem eu falo?”.


Francisco Carvalho (Maceió, 1988). Escritor, poeta, professor de História, atendente de call-center.


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Um comentário sobre ldquo;O Diabo entre nós, por Francisco Carvalho

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