Ao contrário dos fotógrafos viajantes prefiro interagir com a minha cidade. Nasci no bairro do Engenho Novo, e dividi a minha adolescência entre a Tijuca e a Zona Sul. Minha crise de representação com uma fotografia explícita, literal e maniqueísta, me levou a praticar uma fotografia reflexiva. Ela foi em parte inspirada no olhar desviante de um fotojornalismo simbólico desenvolvido no Jornal do Brasil, no período da ditadura militar, para burlar os censores que só viam o óbvio. Rogério Reis

“O que se passa” é a mais recente exposição inédita do fotógrafo Rogério Reis, ambientada no Paço Imperial até o dia 24 de março de 2024. O aclamado fotógrafo brasileiro que navega com maestria entre o fotojornalismo e a arte, tanto no Brasil quanto no exterior, apresenta suas séries de obras, imagens e filmes mais recentes, que transitam entre o óbvio e o inimaginável.  São trabalhos que foram produzidos desde o período da pandemia, registrando suas saídas diárias às praias da zona sul do Rio de Janeiro e seu envolvimento com as diversas comunidades que frequentam as orlas. 

O que se passa: Rogério Reis, Noite Americana.

Rogério faz parte dos artistas contemporâneos que trabalham com a fotografia documental, que muitas vezes usa a câmera para lançar luz sobre os aspectos marginalizados da sociedade, ou produz uma crônica social fotográfica e nos revela aspectos de vida que não foram antes explorados. Estes movimentos que foram ‘reinventados’ no pós guerra, tiveram um enorme impacto social, e podem ser vistos como predecessores aos movimentos identitários que existem hoje; ambos expõem a nossa vulnerabilidade humana e ecológica. Paula Terra-Neale 

A exposição engloba mais de 100 obras, divididas em seis séries, e oferece uma visão profunda das intererações com a cidade que o artista adquiriu ao longo de seus mais de 45 anos de trajetória.  Sua “residência artística”, por assim dizer, é a rua, e, no contexto desta exposição, as areias das praias cariocas. Para o artista:

Tenho desinteresse por aspectos contemplativos da paisagem e busco ressignificar o que aparenta ser banal e pouco explorado pela vasta crônica visual das praias da zona sul do Rio de Janeiro. Objetos funcionais, equipamentos esportivos, descartes, vestígios das ressacas e gambiarras que facilitam a vida dos banhistas e profissionais das areias são os protagonistas.

O que se passa, Rogério Reis (2024)
O que se passa, Rogério Reis (2024)

O que se passa” apresenta imagens, vídeo e séries distribuídas em duas grandes galerias do Paço Imperial. A exposição revela o que muitas vezes escapa à nossa atenção, enfatizando a presença de corpos, mesmo quando ausentes.  As obras de Rogério Reis documentam os vestígios da cultura visual e dos rituais das comunidades nômades à beira da orla carioca. Para a curadora Paula Terra-Neale:

Rogério é fotógrafo independente há quatro décadas. Depois de passar pelo Jornal do Brasil, Globo, Veja se juntou ao grupo da Agência F4 onde aprendeu a pesquisar e desenvolver seus próprios temas durante os anos 1980. Ele não aderiu à arte estritamente engajada em voga quando começou a trabalhar nos anos 1970, – diríamos que sua linguagem estaria talvez mais próxima à poesia marginal e ao movimento de contracultura que surgia com o cinema novo, do que a arte de denúncia; ou seja, tem uma pegada existencialista e crítica, sem ser politicamente dogmática, com foco na liberdade de expressão, e atravessada por um fino senso de humor, de quem não se quer sério.

O que se passa, Rogério Reis (2024)
O que se passa, Rogério Reis (2024)

As imagens se concentram nas comunidades de trabalhadores que sobrevivem na região costeira, abrangendo vendedores ambulantes e catadores de latas, que são representados nas montagens efêmeras, gambiarras, amarrações e “burrinhos-sem-rabo (carrinhos improvisados para transporte de objetos) que estão espalhados ou empilhados ao longo da orla.  Além disso, a exposição traz outras comunidades que veem a praia como um espaço exclusivamente de lazer, e até mesmo seres não humanos, como os cachorros.  Através da lente de Rogério Reis, esses seres são capturados no ar, em pleno salto, como se ele concedesse asas àqueles que vivem mais próximos do solo, em um gesto de pura liberdade e vitalidade. 

Rogério parece investir no propósito de trazer a periferia para o centro, de tornar permanente o que é da ordem do precário e do passageiro, de privilegiar o popular ao erudito, com uma abordagem fotográfica decididamente não elitista, direta, aberta, dialógica, informal, pessoal, poderíamos dizer, carioca em essência? Talvez até nos cooptando às potencialidades da cultura popular e praiana, a ginga, o funk, ao estilo libertário de viver. Paula Terra-Neale

Definitivamente “O que se passa na praia de Rogério Reis” é uma daquelas exposiçoes que ninguém pode deixar de ver.

O que se passa, Rogério Reis (2024)

Rogério Reis nasceu no Rio de Janeiro, em 1954, onde ainda vive e trabalha.  Formou-se em jornalismo pela Universidade Gama Filho em 1978, quando já trabalhava há um ano como fotógrafo do Jornal do Brasil. Teve uma breve passagem pelo jornal O Globo no ano seguinte, antes de retornar ao Jornal do Brasil, onde permaneceu entre 1980 e 1982, passando depois à revista Veja, com a qual colaborou durante os anos de 1983 e 1984. Entre 1985 e 1989 integrou a seção carioca da agência F4 e, no final de 1989 fundou, com Claus Meyer e Ricardo Azoury, o atual acervo Tyba, coletivo de fotógrafos distribuídos pelo vasto território do nosso país.    Foi editor de fotografia do Jornal do Brasil (1991- 1996) onde dialogou com o projeto gráfico desenvolvido por Amilcar de castro. Em 2002, nas suas frequentes interações pela cidade, o seu retrato do poeta Carlos Drummond de Andrade sentado na praia de Copacabana serviu de base para uma escultura de Leo Santana que hoje é uma das referências turísticas do Rio de Janeiro. Rogério inspirou o personagem do fotógrafo de mesmo nome do filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles,  baseado no livro de Paulo Lins.

Conta que a fotografia apareceu na sua vida ainda na adolescência, por influência do ambiente da contracultura, onde se buscava então profissões menos convencionais. No rastro dos Domingos da Criação, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), importante experiência desenvolvida pelo crítico mineiro Frederico de Morais, Rogério teve aulas com o húngaro George Racz, nas oficinas de fotografia do Bloco Escola deste museu no início dos anos 70, e posteriormente nos cursos do fotógrafo americano Dick Welton no seu estúdio do Chapéu Mangueira no Leme. Rogério recebeu o Prêmio Nacional de Fotografia da Funarte com sua série Na Lona, em 1998.

O que se passa, Rogério Reis (2024)

Seus trabalhos estão presentes em importantes acervos como: Fotografia Latinoamericana en la Fundación Larivière (Jean-Louis Larivière), Paris-Buenos Aires, 2022; Biblioteca Nacional da França, Paris (2021); Chengdu Contemporary Arts Park Museum, China (2017); Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (2017); Museu Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires (2016); MAR-Museu de Arte do Rio (2015); Maison Européenne de la Photographie, Paris (2014, 2012, 2010 e 2008); MAM-Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro (2002);The Fogg Art museum – Cambridge ( 1999); MAM-Museu de Arte Moderna,  São Paulo (1999); Douglas Nielsen Collection no Tucson Museum, EUA (1996); Coleção MASP/Pirelli, São Paulo (1995). www.rogerioreis.com.br


Exposição: “O que se passa” – Rogério Reis, com curadora e texto crítico de Paula Terra-Neale, em cartaz até o dia 24 de março de 2024, de terça a domingo e feriados, das 12h às 18h, no Centro Cultural do Patrimônio Paço Imperial – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN & Ministério da Cultura, na Praça XV de Novembro, 48, Centro do Rio de Janeiro, RJ.


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Publicado por:Philos

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