Desconheço o silêncio. Já ouvi falar da lenda de sua existência, e até já frequentamos as mesmas festas, mas ele nunca está realmente lá. No coração ansioso e ocioso, o privilégio da quietude não existe. Quando estávamos no seu carro às três da manhã, cansadas demais para trocar qualquer palavra durante a volta para casa, minha mente gritava. Eu queria todos os detalhes – o cheiro de fumaça e hortelã, a forma como seu cabelo estava preso, a embalagem de fast food no banco de trás, seu chaveiro de Los Angeles. Minha cabeça estava tão concentrada em cravar as unhas no momento e guardá-lo para sempre que nem estava realmente nele. A maldição é ainda pior durante silêncios desconfortáveis. Naquele dia em que você não falou comigo, quando nosso ônibus para Santa Catarina quebrou na estrada, só meu corpo estava na poltrona ao seu lado. Internamente, tudo se traduzia em palavras rudes e estilhaços de medo. Olhava para você e via um poema áspero e inacabado, sem rimas. Acho que é por isso que escrevo – porque antes do papel, minha ansiedade já dita o livro entre uma brecha e outra. O pior silêncio é o da solidão, porque, aí, não tenho nada para traduzir em verbos que não seja meu abismo. Olhar para dentro e confrontar a si mesmo é o maior pesadelo de quem nunca dorme. Nas madrugadas, o imperador está nu. Aperto os olhos na escuridão, e, nas sombras da sala, enxergo meus próprios defeitos. Abro a janela, acendo um cigarro, olho a cidade. Depois das duas e meia, quando durmo sozinha no sofá da sala, eu sou quem sou e quem quero ser. Se não escrevesse, enlouqueceria um pouco mais. Desconheço o silêncio, mas quero confrontá-lo. Meu maior sonho é que, entre uma tragada e outra, ele me encare com seus olhos cor de chocolate. Desejo que mostre sua face, e me envolva em uma meditação respeitosa. Prometo reverenciá-lo como o Deus que é e ambiciona ser. Então, vou enterrar meu rosto em seus ombros frios, e chorar tudo que ele me causou nesses vinte e poucos anos. Quando os soluços forem altos demais e o consumirem, seu corpo alto e esguio desaparecerá. Finalmente estarei livre.
Victoria Tuler (Curitiba, 1995). Redatora e roteirista freelancer. Se tivesse escolha, não escreveria.
Um comentário sobre ldquo;Ode ao silêncio, por Victoria Tuller”