A vida está no parque. Luz, cheiro, ar, cores. A liberdade está no parque, no vento que provém da velocidade da bicicleta, do deslizar dos pneus, das curvas que faço como se desenhasse obras de arte. A força está no parque, no verde das árvores, no terreno árido de uma Brasília que seca aos poucos, mas que pulsa sob mim, que promete renascer sempre, que concede a energia necessária para seguir adiante. O presente é esta corrida para o nada, é a entrega do atleta, é o suor que redime, o esforço que me faz sentir que sou humano. Os humanos estão no parque: homens, mulheres, crianças. E sorrisos, abraços, corridas, quedas, gritos, vozes, música. A canção me impõe o ritmo, e eu transpiro a paz de viver plenamente, sem máculas, sem anseios. A morte da mente está no parque. E há jogos, farsas, circos; há amantes e famílias – há de tudo. Há quem ande em coisas que nunca se viu, há patins, skates, bicicletas. E os cães estão no parque, felizes com suas matilhas, perguntando-se como eles conseguem. Como eles conseguem? A dúvida que se evapora no parque, na mente de lobos domesticados, até isto há no parque. E eu corro, corro, corro. Fico em pé sobre os pedais, olho ao longe, em toda a imensidão desse lugar sublime: não quero parar. Quero que se eternize a comunhão que me faz crescer, alheio ao tempo. Há sonhos no parque, e sonhadores que passeiam querendo, querendo ter o que não se pode, quando se tem tudo ali, quando bastaria ver como tenho a sorte de ver, porque o parque já está dentro de mim, porque não há diferença entre nós, porque as cores se misturam. Os cheiros, caóticos, são a brisa e o vento e o olhar risonho da criança que conseguiu dar as primeiras pedaladas. Há tanto no parque que não posso dizer, que a expressão se esvai, o pensamento foge, e só me resta esse fluxo de energias que produzem palavras desconexas, essa verve que não é minha, essa alma universal. O parque fala em mim. Sorrio. Estaria louco? A loucura que nos liberta assim só pode ser uma benção. Benção de onde? Quem há de dizer? Agradeço a quem me abençoa assim, gratuitamente, e pedalo, pedalo, pedalo. O parque se oferece a mim como o paraíso que ninguém vê, como a realidade que todos negam. E no entanto, está aqui, o parque sou eu, a expansão se fez, o milagre brotou do chão alaranjado. E ninguém viu. Ou talvez não. Talvez eles vejam como eu. Talvez por isto estejam aqui, congregando embaixo das árvores imponentes, esbarrando-se, cumprimentando-se, conversando, discutindo, comendo pipoca, tomando água de coco. A humanidade, é o que sinto por fim, também está no parque.
Caio Lobo (Recife, 1979). Colunista da Philos, é formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Leitor compulsivo e romancista. Lançou recentemente o seu livro Liberdade pela editora Kazuá.
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